Para as pessoas aqui do sudeste que não puderam acompanhar por razões óbvias das bolhas regionais e temáticas engendradas pelas redes sociais: há alguns dias tem se discutido no Pará a atividade de um tal maníaco de Marituba que, até o que se sabe, estuprou e tentou matar sete mulheres na grande Belém. As moças eram atraídas por um perfil falso nas redes sociais procurando serviços de estética em casa.
Todas saíram para trabalhar e de repente ficaram desaparecidas. Uma delas era sobrinha do delegado Éder Mauro, deputado federal do Pará com o qual já topamos muitas vezes em vídeos por aqui, um sujeito violento, de extrema direita, conhecido por ameaçar as pessoas que se opõem a sua forma de pensamento. Com sua influência na polícia, Éder Mauro conseguiu rapidamente descobrir os corpos de algumas mulheres nas matas de Marituba, em locais próximos à residência do tal maníaco, ou maníacos, posto que eram dois rapazes no esquema, um menor de idade inclusive. São até agora quatro mulheres mortas e três sobreviventes internadas, uma em estado grave.
Essas mulheres saíram para trabalhar e foram abusadas sexualmente e vitimadas pelo crime de feminicídio. Não estavam em baladas, não estavam com roupas curtas, não estavam bêbadas, não andavam sozinhas porque queriam. Todos os argumentos que nos estilhaçam os direitos são rapidamente refutáveis no caso do maníaco de Marituba. O que se manifesta, uma vez mais, é que a misoginia – com todos os seus marcadores de diferença – se adéqua a todas as intenções feministas de ocupação do espaço público, sobretudo quando essa ocupação tem a ver com trabalho, vida material, cotidiano.
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As vítimas foram pegas na tocaia das redes sociais, grupos de oferta de serviços, esses mesmos que foram criados para que pudéssemos nos organizar com segurança e produzir uma tal “economia feminista” que, ao meu ver, não tem sustentabilidade justamente por conta de casos como esses e outros talvez de gravidade inferior.
Escrevi durante dez anos para o jornal paraense “O Liberal” e se houvesse uma pauta para mim na próxima quarta-feira, eu falaria sobre essas mulheres, sobre a naturalização do feminicídio no norte e no Brasil. Há muitos anos não tenho vontade de voltar ao jornal, mas tenho vontade sim de manifestar publicamente minha condolência às vítimas e as suas famílias e amigos, bem como expressar o meu desejo de que os maníacos de Marituba sejam julgados de acordo com os princípios legais do Estado de Direito e não pelas vias do olho por olho tão cobiçadas por muitos setores da segurança pública no Estado do Pará.
Por fim, desejo profundamente que paremos de tratar homens misóginos, cujo ódio por mulheres é socialmente construído e não um problema químico, como doentes mentais. Maníaco é alcunha sensacionalista e gera por intermédio dos jornais e manchetes mais um grau de estigmatização sobre as pessoas neuroatípicas. Há homens neuroatípicos que não matam mulheres.
Pobreza, misoginia, mercantilização da internet, industrialização da vida, racismo: esses debates me parecem muito mais próximos a um conceito de democracia vertiginosa do que qualquer outro, afinal, a vida não é filme ou fui eu que não entendi nada.
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