No dia sete de novembro de 2000, os norte-americanos foram às urnas para escolher o novo presidente do país. A disputa estava entre o democrata Al Gore e o republicano George Bush (ou, como a gente prefere aqui, Bush filho).
A disputa prometia: o vice do presidente Bill Clinton enfrentava o filho do ex-presidente republicano George Bush, antecessor na presidência do democrata.
Parecia ser uma eleição de alto nível. Um vice que ficara oito anos no cargo, presidindo o Senado, e um ex-governador de Texas nascido numa família de políticos tradicionais.
Parecia. Porque essa foi uma das eleições mais apertadas e controversas da história do país e demorou cerca de um mês para que os Estados Unidos conhecesse seu novo presidente.
Bom, antes da data marcada para acontecer o pleito, as chapas foram anunciadas. George W. Bush, então governador do Texas e filho do ex-presidente George Bush, concorreu à indicação nas primárias republicanas e venceu a disputa contra John McCain, que mais tarde disputaria o cargo mais alto da república contra Barack Obama.
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Do outro lado, Gore, então vice-presidente, concorreu internamente no partido democrata contra Bill Bradley e foi escolhido com relativa facilidade, conseguiu 3.007 delegados nas primárias do partido.
Com as campanhas em curso, os candidatos concentraram seus discursos em questões internas do país, como área orçamentária, redução de impostos e reformas federais.
Gore criticava a falta de experiência do republicano para assumir um cargo tão importante, porém os escândalos comportamentais envolvendo Clinton eram alvo de diversas críticas e denúncias, fazendo com que o democrata evitasse fazer campanha com o presidente.
A campanha do Partido Republicano fez de tudo para afastar os eleitores, sobretudo a população negra, em geral pró-democrata, das urnas. Em estados dominados por Republicanos, caso da Flórida, governada por Jeb Bush, irmão de George, alguns distritos mudaram o local de votação, atrapalhando potenciais eleitores democratas.
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Bush ganhou nos estados do Sul por margens confortáveis – inclusive no estado natal do presidente Clinton, Arkansas -, na maioria dos estados rurais do Centro-Oeste, nos estados das Montanhas Rochosas e no Alasca.
Gore, por sua vez, venceu nos estados do nordeste dos Estados Unidos, com a única exceção de New Hampshire, a maior parte dos estados rurais da região Centro-Oeste Superior e em todos os estados da Costa do Pacífico e no Havaí.
Os resultados em alguns estados de pequeno e médio porte foram apertados. No entanto, seria o estado da Flórida o fiel da balança.
Na manhã seguinte à eleição, Bush já tinha conquistado um total de 246 votos dos delegados, enquanto Gore estava com 255 votos. Lembre-se que são necessários 270 votos para levar a eleição.
Dois estados menores – Novo México e Oregon – ainda se mantinham na disputa. E a Flórida ainda não tinha terminado sua contagem.
Para a imprensa norte-americana, o estado virou o centro das atenções e começaram a sondar que a vitória ali seria de Gore e que, consequentemente, levaria a eleição, já que, matematicamente, 25 votos da Flórida poderiam dar a vitória para qualquer um dos lados.
Antes do fechamento das urnas em regiões republicanas da Flórida, e se baseando em sondagens, as emissoras de televisão declararam que Gore havia levado os 25 votos do estado.
No entanto, na contagem oficial, que ainda estava sendo realizada, Bush começou a liderar, fazendo com que essas mesmas emissoras recuassem em sua previsão. A turbulência eleitoral do momento fez com que a Flórida fosse colocada na lista de estados “indecisos”.
Com 85% dos votos apurados e com Bush liderando por mais de 100 mil votos, a imprensa anunciou que o republicano havia ganho e, portanto, tinha sido eleito presidente.
Bom, parecia então que os Estados Unidos haviam escolhido seu novo mandatário. Mas três condados fortemente democratas ainda estavam sendo contabilizados: Broward, Miami-Dade e Palm Beach.
Com os votos desses locais sendo apurados, a diferença entre os candidatos foi diminuindo e Gore começou a ganhar espaço. Com a redução da margem de votos, a mídia retira sua previsão de vitória do republicano.
Nesse meio tempo, Gore chegou a ligar para Bush, reconhecendo a vitória do republicano. Com esse novo cenário, o democrata retorna a ligação e se desdiz. A vantagem de Bush era de apenas 300 votos, que foi a 900 com os votos de militares que estavam no exterior.
O resultado final tinha uma diferença muito pequena, exigindo assim uma recontagem obrigatória segundo a lei estadual da Flórida. Gore pediu para que recontagens fossem realizadas nos condados de maioria democrata e em Volusia.
A secretária de Estado da Flórida, Katherine Harris, aceitou o pedido, mas afirmou que só aceitaria quaisquer revisões desses condados se fossem entregues até 14 de novembro.
Com um espaço de tempo curto, a Suprema Corte da Flórida estendeu o prazo para 26 de Novembro, porém essa decisão foi anulada pela Suprema Corte dos EUA.
No meio dessa confusão, ficaram claras muitas falhas do sistema eleitoral norte-americano: a manipulação dos distritos pelos sistemas estaduais, o uso de máquinas de votação imprecisas, a falta de regras nacionais para definir impasses e, claro, o sistema de votos por delegado.
Com o prazo apertado, os condados não conseguiram entregar uma recontagem, e ficou valendo o resultado da primeira contagem. Em 26 de Novembro, o conselho de prospecção do estado certificou Bush como o vencedor da Flórida com 537 votos.
Gore contestou formalmente os resultados e o Suprema Corte da Flórida ordenou a recontagem manual de 70 mil votos.
No dia 12 de Dezembro, A Suprema Corte dos EUA decidiu numa votação que a decisão do Suprema Corte da Flórida exigindo uma recontagem dos votos em todo o estado era inconstitucional,.
E em uma segunda votação, o órgão decidiu que nenhuma recontagem constitucional válida seria concluída até a presente data.
Resultado final do imbróglio: com 50.460.110 votos populares, Bush levou a Presidência da maior potência do planeta, e Gore, com 51.003.926, 543.816 votos a mais, aceitou a derrota.
Para tornar a coisa ainda mais bizarra, parlamentares democratas mais radicais pediram uma investigação sobre o processo eleitoral. Numa sessão presidida com mão de ferro pelo próprio Al Gore, o pedido foi arquivado.
O compromisso de Gore e da direção de seu partido com o sistema foi, então, maior do que o compromisso com a vontade popular. Como em poucos outros momentos da história, ficou evidente a proximidade entre os dois grandes partidos dos Estados Unidos.
E assim o mito da democracia perfeita, frequentemente questionado por agrupamentos mais progressistas e por intelectuais críticos, caiu também para muitos eleitores nos Estados Unidos e para as pessoas em todo o mundo que não acompanhavam tão de perto a política americana.