Editoras árabes abandonaram a Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, após o evento cancelar a cerimônia de homenagem que iria premiar o romance da escritora palestina Adania Shibli.
A autora receberia o prêmio literário LiBeraturpreis, que homenageia escritores do Sul Global, na sexta-feira (13/10), quando foi cancelado “devido à guerra em Israel”, segundo a LitProm, associação literária alemã que organiza a honraria. Isso por que, a premiação era para a tradução alemã de seu romance Minor Detail (Detalhe Menor) que narra a história real de uma mulher beduína palestina estuprada e assassinada por soldados israelenses em 1949.
Além da justificativa da guerra de Israel contra o Hamas, o evento foi cancelado porque “ninguém está com vontade de comemorar no momento”, disse um comunicado.
Por conta disso, as editoras árabes que deveriam participar se retiraram, como a Sharjah Book Authority, dizendo: “defendemos o papel da cultura e dos livros para incentivar o diálogo e a compreensão entre as pessoas. Acreditamos que esse papel é mais importante do que nunca”.
A Emirates Publishers Association também se retirou do evento, enquanto o presidente da Arab Publishers’ Association, no Egito, que representa mais de 1.000 editoras regionais, afirmou que denunciam “qualquer ataque a um civil de qualquer lado, mas ver o caso de um único ângulo e aceitar essa injustiça à qual o povo palestino tem sido submetido há décadas é um grande erro.”
De acordo com a agência de notícias Monitor do Oriente Médio (MEMO), Juergen Boos, diretor da Feira de Frankfurt, se posicionou contra a ofensiva do Hamas e consequente resistência palestina ao cerco histórico perpetrado por Israel, declarando que “eventos especiais” seriam realizados para “tornar as vozes judaicas e israelenses particularmente visíveis”.
A agência de notícias alemã Deutsche Welle (DW) chegou a anunciar que o cancelamento havia sido acordado com a autora, mas isso foi desmentido pela própria Litprom, que, agora, quer promover “momentos adicionais no palco para vozes israelenses”.
Editoras protestam contra a Feira de Frankfurt
Em um manifesto, intitulado “Declaração de protesto contra o cancelamento da cerimônia de premiação de Adania Shibli pela Feira do Livro de Frankfurt”, diversas editoras do mundo condenaram a decisão do evento.
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Evento que homenagearia escritora palestina foi cancelado ‘devido à guerra em Israel’
A decisão, para eles, foi “unilateral”. As organizações entendem que o intuito da Feira é ser um espaço “livre e imparcial” para “abrir diálogos e debates sem violência”. “Em meio a essa grave crise humanitária, é muito importante dar voz aos oprimidos por meio de todas as formas de expressão, inclusive livros e literatura”, afirmam, apontando que “ironicamente, a Feira do Livro de Frankfurt – a maior feira anual de livros do mundo – fez o contrário”.
“Nós, editores da International Alliance of Independent Publishers, condenamos a decisão da Feira do Livro de Frankfurt de cancelar a cerimônia de premiação de Adania Shibli e exigimos que as vozes palestinas tenham a mesma visibilidade e respeito que outras vozes na Feira”, diz a nota.
Até o momento, 17 representantes de editoras do mundo assinaram a nota, incluindo organizações da Indonésia, Índia, Tunísia, Síria, África do Sul. Do Brasil, editoras como Alameda, Boitempo, Boitatá, Nós, Relicário, Geração Editorial e Ayiné assinaram o manifesto.
A Opera Mundi, Ivana Jinkings, fundadora e diretora da editora Boitempo, disse que a decisão da Feira de Frankfurt “silencia” as vozes palestinas, apontando que isso “significa endosso à política de extermínio do Estado de Israel”.
“A Feira de Frankfurt cancelou a cerimônia de um prêmio para uma autora palestina e declarou apoio a Israel silenciando as vozes palestinas. Uma feira internacional importante como essa censurar neste momento uma palestina significa endosso à política de extermínio do Estado de Israel. Não podemos compactuar com isso”, disse.
Romance Minor Detail, de Adania Shibli
Shibli nasceu na Palestina, em 1974, e vive atualmente entre Jerusalém e Berlim, capital da Alemanha. Ela é escritora na Literaturhaus Zurich e foi professora convidada de Literatura Mundial na Universidade de Berna, na Suíça, em 2021.
Escrito originalmente em árabe, Minor Detail foi traduzido para outras línguas: em inglês e alemão. Inclusive, a tradução na língua inglesa foi indicada para o National Book Award em 2020 e para o International Booker Prize em 2021.
A obra é composta em duas partes. “A primeira fala da garota palestina que é estuprada e assassinada no deserto de Negev durante a Guerra Árabe-Israelense de 1948. […] A segunda parte do romance se passa décadas depois, quando um jornalista de Ramallah tenta entender o crime”, disse a DW.
De acordo com a agência alemã, o livro “dividiu opiniões”, pois, uma parte da crítica elogiou, outra considerou que há “narrativas antissemitas” no romance.
(*) Com informações do Monitor do Oriente Médio.