A Tailândia está entre os países mais afetados pela guerra entre Israel e o Hamas. Pelo menos 39 cidadãos tailandeses foram mortos durante os ataques do Hamas a Israel no dia 7 de Outubro, incluindo trabalhadores rurais empregados em fazendas do agronegócio israelense, perto de Gaza. Outros 32 foram feitos reféns.
De acordo com matéria publicada pelo canal Al Jazeera, nove pessoas de nacionalidade tailandesa ainda permanecem em cativeiro na Faixa de Gaza. Em nota, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do país se comprometeu a não poupar esforços para repatriar seus compatriotas. Também há o caso de seis reféns que foram libertados e estão em Israel à espera de retornar ao seu país natal.
Nos dois meses de guerra em Gaza, mais de 7 mil dos cerca de 30 mil tailandeses que trabalham em Israel voltaram para casa em voos de evacuação disponilizado pelo governo de Bangcoc. Outros decidiram ficar, optando por correr o risco pela oportunidade de ganhar melhores salários do que receberiam em seu país de origem.
O governo da Tailândia prometeu repatriar os trabalhadores que queiram retornar para o país e estabeleceu a meta de trazer de volta pelo menos 4 mil deles até ao final de 2023.
Em julho passado, havia cerca de 119 mil trabalhadores estrangeiros legais em Israel e mais de 25 mil ilegalmente, segundo as autoridades israelenses. Na agricultura, havia 22.862 trabalhadores estrangeiros legais e outros 7.493 sem documentação válida – grande parte dos casos se referia a pessoas com vistos vencidos.
O agronegócio israelense importa uma grande parte da sua mão-de-obra da Tailândia. Outra porção significativa vem de outros países da Ásia, e também de nações africanas.
História dos tailandeses em Israel
Centenas de trabalhadores do campo da Tailândia chegaram a Israel na década de 1980 e milhares tinham ido para lá em 1992, de acordo com uma investigação do antropólogo Matan Kaminer, logo após a Intifada de 1987. Esta migração dos tailandeses para trabalharem nos campos israelenses, fez parte de uma estratégia para substituir trabalhadores palestinos e não tivessem a dependência do trabalho de camponeses palestinos. Sob pressão de grupos sociais e ONGs que trabalham com direitos trabalhistas, um acordo foi firmado em 2011, quando os países em questão assinaram um acordo conhecido como Projeto de Cooperação Tailândia-Israel sobre a Colocação de Trabalhadores (TIC), que foi implementado em 2013.
O acordo TIC, que permitiu aos tailandeses trabalhar em Israel por um máximo de cinco anos e três meses – mas apenas na agricultura – significa que a indústria agrícola de Israel é o setor mais homogêneo em termos de trabalhadores estrangeiros. Em 2020, os países assinaram um novo acordo para o TIC que não incluía a participação da OIM, mas manteve termos semelhantes. A maioria dos migrantes tailandeses em Israel são homens e 84% são do nordeste empobrecido e desprivilegiado da Tailândia de Isaan. Isaan não é conhecido pela sua calmaria na política interna – o Nordeste desta região da Tailândia tem sido há muito tempo o centro da política de oposição no país, incluindo a insurgência maoísta da década de 1970 e o movimento de protesto dos Camisas Vermelhas dos últimos anos.
Em Isaan, migrar muitas vezes é a única forma de escapar da miséria e proporcionar um futuro para a família. Embora o agravamento da situação em Israel possa aumentar a vontade de sair para destinos alternativos, como Taiwan e Coreia do Sul, alguns migrantes já retornaram para a Tailândia, e muitos mais o fariam, se ao menos houvesse um cessar-fogo duradouro que os permitisse.
Foto: AP
Trabalhadores tailandeses que foram evacuados de Israel chegam a um aeroporto militar em Banguecoque no dia 16 de Outubro.
Abusos de trabalhadores tailandeses em Israel
Devido às elevadas taxas de pobreza e desemprego, a Tailândia tornou-se uma fonte conhecida de mão-de-obra no estrangeiro. Com a promessa de que podem voltar para casa com um bom dinheiro para pagar dívidas e realizar sonhos como a casa própria, emigrar é um grande objetivo de valor social muito desejado. No entanto, há casos de maus tratos aos trabalhadores tailandeses nas fazendas israelenses. Em 2020 83% desses trabalhadores eram pagos abaixo do salário mínimo definido por lei. Muitos não recebem direitos sociais e enfrentam condições de trabalho inseguras e dificuldade de acesso a cuidados médicos.
Preocupações semelhantes foram documentadas pela Human Rights Watch num relatório de 2015, em outro relatório publicado em 2022 do Departamento de Estado caracterizou o tratamento de trabalhadores tailandeses no setor agrícola de Israel como trabalho escravo.
No dia 07 de outubro, na deflagração da guerra na operação Tempestade de Al-Aqsa, cerca de 5.000 trabalhadores tailandeses registrados legalmente e 1.000 sem registro estavam na área perto da Faixa de Gaza quando o conflito começou.
ONGs como a Ajuda aos Trabalhadores Agrícolas, denunciou que em muitos dos locais para onde os trabalhadores foram evacuados, foram pressionados a voltar a trabalhar imediatamente, visando o lucro que não poderia ser perdido por falta de mão-de-obra. Numa publicação no Facebook, a embaixadora de Israel na Tailândia, Orna Sagiv, prometeu que os trabalhadores tailandeses receberiam “o mesmo tratamento e proteção que todas as pessoas em Israel”. A exposição desses trabalhadores a uma guerra como essa, agudiza a sua insegurança. Os trabalhadores agrícolas tailandeses em Israel enfrentam graves violações dos direitos trabalhistas porque as autoridades israelenses não estão cumprindo as suas próprias leis. Os empresários usam sua enorme influência política para manter mínima a aplicação destas leis.
O relatório de 48 páginas, “A Raw Deal: Abuses of Thai Workers in Israel’s Agricultural Sector”, documenta baixos salários, horas de trabalho excessivas, condições de trabalho perigosas e más condições de habitação. Os trabalhadores de diversas plantações queixam-se de dores de cabeça, problemas respiratórios e outras doenças, incluindo sensações de ardor nos olhos que atribuíram à pulverização de agrotóxicos sem proteção adequada. No relatório aqui citado, alguns trabalhadores contaram que os seus familiares na Tailândia lhes enviaram medicamentos porque não tinham acesso a cuidados médicos em Israel. Os números oficiais do governo israelense mostram um padrão de mortes de trabalhadores tailandeses. De 2008 a 2013, segundo dados divulgados pelo jornal israelense Haaretz, 122 trabalhadores tailandeses morreram em Israel. O número foi de 43 pessoas cujas mortes as autoridades atribuíram à “morte súbita noturna”, e 22 que morreram de causas desconhecidas porque as autoridades não fizeram autópsias. Ainda que oficialmente e nas letras frias da lei, existam uma proteção forte aos imigrantes, na prática, a realidade é outra.
A Autoridade da População, Imigração e Fronteiras (PIBA) do Ministério do Interior e o Ministério da Economia (antigo Ministério da Indústria, Comércio e Trabalho) têm a responsabilidade e autoridade para a regulação do setor agrícola. Contudo, ambos os órgãos não responderam ao nosso contato. É fundamentalmente uma questão de fazer cumprir essas leis e regulamentos cabíveis.
Após a libertação de vinte e três reféns nas últimas duas semanas, quinze continuam desaparecidos e muitos outros tailandeses que viviam e trabalhavam na região foram deslocados pela violência. Hoje, 07/12 corpos de mais 11 trabalhadores migrantes tailandeses que morreram em Israel voaram para casa, os restos mortais dos trabalhadores que perderam tragicamente a vida no conflito do Oriente Médio chegaram pela El Al Airlines às 12h40. Até agora, três voos transportaram 26 corpos de trabalhadores tailandeses de Israel. O governo tailandês fez fortes apelos aos trabalhadores para retornarem ao país, prometendo bonificações especiais.
A exposição à morte violenta num conflito em que não desempenham nenhum papel é apenas a manifestação mais dramática da super-exploração e negligência que os tailandeses em Israel têm sofrido nos últimos trinta anos. Dois dias após o início da guerra, Yoni Dimri, do Movimento Moshavim, explicou a ligação entre a exploração de camponeses imigrantes e o imperativo israelense de controle territorial. A área ao redor da Faixa de Gaza, conhecida em Israel como “Envelope de Gaza” ( ‘otef ‘Aza ), disse ele “é uma região onde a principal fonte de subsistência é a agricultura. Se não houver trabalhadores estrangeiros, não haverá agricultura. E se não houver agricultura, não haverá Israel”.
Após uma crise econômica no início da década de 1980, um governo de unidade promulgou o “Plano de Estabilização de Emergência” de 1985. Na mesma época, o empresário israelense Uzi Vered entrou numa rede de longa data de ligações militares e de cooperação entre a Tailândia e Israel, para recrutar tailandeses para “formação” em Israel. Vered aproveitou o interesse do governo militar tailandês na experiência do seu aliado da Guerra Fria com “assentamento fronteiriço” para levar centenas de trabalhadores tailandeses para Israel a partir do final da década de 1980. Quando o governo israelita decidiu regularizar a importação de mão-de-obra agrícola no início da década de 1990, já existia um quadro institucional de intermediários em ambos os países, ansiosos por reduzir a renda dos migrantes.
Em meados da década de 1990, mais de vinte mil trabalhadores tailandeses estavam em Israel, e o número tem aumentado de forma constante, atingindo aproximadamente trinta mil em Setembro de 2023. O grande fluxo de mão-de-obra permitiu aos fazendeiros israelenses adaptarem-se à mudança de cultivo de uma variedade de vegetais e frutas para atender a um mercado global (principalmente europeu). O aumento da concorrência trouxe preços mais baixos e, portanto, a necessidade de aumentar a produção, consumindo recursos hídricos e prejudicando ainda mais os ecossistemas locais, incluindo os pontos críticos de biodiversidade. As mulheres trabalhadoras estão expostas a assédio e agressão sexual tanto por parte de colegas de trabalho como de empregadores.
O desamparo jurídico é agravado por outras formas de isolamento. À medida que as terras agrícolas são engolidas pelos subúrbios, a agricultura recua cada vez mais para as zonas fronteiriças. Entre estas estão a área perto da fronteira com o Líbano, no norte — agora sob ameaça dos foguetes do Hezbollah — e a região de Arabah , na fronteira com a Jordânia, no extremo sul, bem como o Vale do Jordão, as Colinas de Golã e, claro, o “Envelope de Gaza.” Há também o isolamento linguístico – poucos trabalhadores sabem inglês ou hebraico, ou têm a oportunidade de aprender – e o racismo israelense, sendo hostil à sua presença, empurram os migrantes tailandeses para as franjas da sociedade em zonas remotas e também agrava a sua marginalidade. O seu isolamento é extremo, mesmo em comparação com outros “estrangeiros”, como os requerentes de asilo da África Oriental e os cuidadores de idosos das Filipinas, que vivem nas cidades de Israel e desfrutam de um certo acesso à esfera política, principalmente através dos seus laços com ONGs.
Apesar desta marginalização dos imigrantes tailandeses, os trabalhadores não conseguem sindicalizar-se para exigirem os seus direitos sociais e democráticos. O Estado de Israel tornou os imigrantes tailandeses vulneráveis tanto à hiperexploração ilegal como aos perigos de morte, ferimentos e rapto. Muitos deles foram mortos em anteriores escaladas de violência em Gaza e grupos de defesa dos direitos humanos alertaram repetidamente contra o perigo representado pela falta de acesso a abrigos antiaéreos. No entanto, a violência que foram submetidos desencadeou uma onda de solidariedade com a criação da “Ajuda aos Trabalhadores Agrícolas”, um grupo de base que trabalha em solidariedade com a comunidade.
Resta saber quantos tailandeses voltarão a trabalhar em Israel quando a guerra terminar. Até agora, as autoridades locais têm ameaçado os trabalhadores em não pagar os seus salários e considerando países como o Sri Lanka, como potencial fornecedor de força de trabalho.
Até agora as discussões sobre a descolonização no caso palestino têm permanecido, na melhor das hipóteses, “binacionais”, levantando a questão de como árabes e judeus podem viver juntos em igualdade, mas ainda não abrindo espaço para outros povos. Um estudo recente pesquisou as associações entre o adoecimento mental de tailandeses em Israel, e examinou a contribuição direta e indireta das variáveis socioculturais para esta relação.