Em 4 de dezembro de 771, o rei Carlos, que até então dividia o trono dos francos com seu irmão Carlomano, torna-se o único soberano da nação, com a morte deste. Sob o nome de Carlos Magno, ele reinaria por mais de 30 anos sobre o Estado que seria a semente tanto da França quanto da Alemanha: o Império Carolíngio.
Carlos tinha compartilhado o trono com Carlomano desde a morte de Pepino, o Breve, pai de ambos. Quando o irmão mais novo morre, na cidade de Samoussy (na Picardia), Carlos – que era o primogênito – aproveita para se apossar das terras do irmão. O epíteto latino de Carolus Magnus (“Carlos grande”), conta-se, teria recebido não graças aos feitos durante seu reinado, mas por medir 1,90 m de altura.
O ano de 770 vinha sendo difícil para Carlos Magno, que teve de enfrentar a revolta dos aquitanos, no sul. Vencedor, casa-se com Hermengarda (ou “Desidéria”, filha do rei Desidério dos lombardos. Para isso, rompe o casamento com Himiltrude, mulher que já havia gerado um filho seu. Carlos Magno parte então para as primeiras conquistas. A partir de 773, sela uma união com os domínios da Igreja Católica, atacando os lombardos, que capitulam em Pavia. Com esta vitória importante, Carlos Magno anexa a Lombardia. Ao assumir a segurança dos Estados Pontifícios, reforça os vínculos com o Papa.
Ao longo do tempo, Carlos Magno multiplica os combates e as conquistas, principalmente a oeste. É motivado por duas razões: expandir o cristianismo e adquirir novas terras e riquezas para garantir a perenidade do reino. Em 772, segundo a lenda, sai em busca do Irminsul, um pilar que ligaria o céu e a terra, que seria um monumento pagão e um lugar cheio de tesouros. É o início de uma longa e violenta luta contra os saxões, povo originário da Alemanha e da Dinamarca que colonizou a Inglaterra.
Embora Carlos Magno seja associado à capital de seu império, Aix-la-Chapelle, o rei na verdade vivia uma vida nômade, sempre em busca de novas conquistas, acompanhado da terceira mulher, Hildegarda de Sabóia. Em 778, grávida de gêmeos, ela segue o marido em guerra na Península Ibérica, quando Carlos Magno atravessa os Pirineus para conquistar Barcelona, Pamplona e Saragoça.
Consciente de que as fronteiras do reino eram vulneráveis, Carlos Magno cria as “marcas” sob comando militar nas zonas mais arriscadas, a fim de prevenir e conter os ataques inimigos. Contra os bretões, em Nantes e Rennes, é formada a Marca da Bretanha; contra os sarracenos (mouros), ao sul dos Pirineus, a Marca da Espanha; contra os lombardos, no meio da Itália, a Marca da Lombardia (região italiana das Marcas, ou Le MarcheSteiermarkDanmark, ou Dinamarca).
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Papa Leão III coroa Carlos Magno e pronuncia a frase: ‘Carlos, Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador, vida e vitória!’
Devido à extensão do reino, o soberano nomeia homens de estrita confiança para governar as diferentes regiões: os missi dominici (enviados do senhor), cuja principal tarefa era garantir a aplicação das ordens reais. Os missi dominici viajavam sempre em dupla: um laico e outro religioso, a fim de equilibrar os poderes.
Embora ele desse demonstrações de extrema violência e crueldade com frequência, Carlos Magno estava longe de ser apenas um guerreiro ávido por riquezas e conquistas, cercando-se dos grandes sábios de seu tempo. Surpreso ao constatar que certos monges não sabiam escrever e revoltado com a existência de sacerdotes pouco escrupulosos e caindo facilmente na bebida, encarrega a Igreja de formar clérigos e laicos com maior rigor. Para tanto, decreta a instauração de escolas gratuitas e abertas para todas as classes sociais, destinadas a formar a elite religiosa e administrativa do reino.
Em 25 de dezembro de 800, durante a cerimônia de Natal na Basílica de São Pedro, em Roma, o papa Leão III coroa Carlos Magno e pronuncia a frase, em latim: “Carlos, Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador, vida e vitória!”. Simbolicamente, naquele momento o rei dos francos reencarna o imperador romano do Ocidente, e seu império seria o sucessor, consagrado pela Igreja, do Império Romano.
Contudo, o rei não se alegra e sai da cerimônia furioso. Certamente, já cobiçava o título de imperador do Ocidente e devia estar em negociação com o Papa. Mas a cerimônia pegara de surpresa o rei, porque deixar Leão III colocar a coroa sobre sua cabeça significava admitir que devia seu poder e legitimidade à Igreja.
Mil anos mais tarde, Napoleão se lembraria do episódio e tomaria a coroa das mãos do papa de então para ele mesmo se coroar imperador.
Segundo rei franco da dinastia carolíngia, Carlos Magno é consagrado pela história como o restaurador do Império Romano do Ocidente. Além de estender um território do Atlântico ao Báltico e dos Pirineus ao Danúbio, ele encarnou a renovação e as contradições de seu tempo. Apostando na cultura e no saber, foi o grande protagonista da renascença carolíngia. No entanto, ele mesmo jamais chegou a ler nem escrever alguma obra: era analfabeto. Admirador fervoroso da “Cidade de Deus” de Santo Agostinho, que prega a que organização social deve se basear pela lei divina, Carlos Magno não hesitou em cometer brutalidades para converter os saxões, em nome de uma Europa unida pelo cristianismo.