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Thurston Moore, líder do Sonic Youth, durante show em Paris em 2007
Formada em
Nova York em 1981,
a banda Sonic Youth sempre foi barulhenta à beça. Principalmente
a partir do álbum Goo (1990), a pauleira pós-punk ganharia em
complexidade e riqueza, à medida que o grupo perdia a vergonha de expor a
ternura das melodias que sabia criar entre um e outro paredão sonoro. Não havia
margem para dúvidas: eram (são) filhotes do Velvet Underground de Lou Reed e
John Cale.
Sob liderança do casal Thurston Moore & Kim Gordon
(guitarrista e baixista) e de Lee Ranaldo (guitarrista), o Sonic atravessou os
anos 1990 compondo rocks quilométricos que alternavam barulho e suavidade de
modo instigante – com quase 20 minutos de duração, “The Diamond Sea” (1995) é
um exemplo perfeito. Nos 2000, voltou a ficar mais rígido, mas não abandonaria
mais essa segunda marca registrada, da maciez maldisfarçada em dureza.
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Os anos vão passando – o Sonic já tem 30 anos! –, e
Thurstoon deu mais de uma demonstração sobre o papel que desempenha no lado
“gentil” de sua banda. Já o exerceu em trabalhos solo anteriores, mas
provavelmente nunca com a intensidade como faz em seu novo álbum individual, Demolished
Thoughts. O vídeo oficial da faixa “Circulation” é tradução visual do folk-rock psicodélico velvetiano (não que o Velvet
Underground pudesse ser chamado primariamente de folk, nem de psicodélico,
mas…) que ele gosta de praticar quando está longe dos colegas de banda, e no
qual se aprofunda deliciosamente agora.
As referências, neste caso, parecem sublinhadas pela
presença do ilustre produtor de Demolished Thoughts, o californiano
Beck, ele próprio um discípulo do Sonic Youth desde sua estreia no circuito pop
mainstream, em 1994, com Mellow Gold. Do encontro Thurston-Beck,
emergem novos paredões sonoros underground – desta vez aveludados, forrados por
harpas, violinos ciganos e cordas em geral.
Os motes sonoros agressivos praticamente desaparecem aqui.
Só na aquosa “Orchard Street” uma leve seção barulheira chega perto – ou longe
– da pós-“no wave” niilista do Sonic Youth. Assim, Thurston pode exercer a
brandura entre letras etéreas, algo místicas, algo mitológicas (casos de
“Benediction” e “Illuminine”, por exemplo).
Apesar da ausência de Kim Gordon, Demolished
Thoughts soa feminino à beça, seja pela doçura, pelas cordas de veludo
ou pelos líquidos e vapores que o atravessam, particularmente na
quase-religiosidade, quase-hereditariedade de “Blood Never Lies”, na “polícia
espacial” de “January”, na “luz de cimento leitoso”, no “barulho líquido”, no
“desejo úmido e bêbado” e nas “lágrimas gotejantes” de “Orchard Street”. A
quase-meiguice também frequenta a linda “Mina Loy”, sobre um casal que só
espera, um do outro, a singeleza de “amar sem vergonha”.
Se Thurston sozinho já costuma soar suave, unido ao
também eventualmente barulhento Beck o efeito resulta potencializado neste
disco. À dureza velvetiana medular em ambos, somam-se os humores que Beck traz
de bandas sessentistas como as californianas Love e Jefferson Airplane, as
inglesas Herman’s Hermits, Troggs, Hollies e Zombies ou a brasileira Mutantes.
Folk e psicodelia são a fórmula – não fosse o ar sempre atormentado, Thurston
Moore quase poderia proclamar que “eu sou amor da cabeça aos pés”, à moda
pós-tropicalista dos Novos Baianos ou de Gal Costa.
*Pedro Alexandre Sanches é jornalista e crítico musical. Escreve no Opera Mundi e no seu blog pessoal.
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