A maneira mais simples – e também a mais simplória – de interpretar o que aconteceu na última cúpula da União Européia, na semana passada, em Bruxelas, é dizer: “o Reino Unido está isolado”.
Não está. Em primeiro lugar, os Estados Unidos não vão deixar sua parceria preferencial (antiga metrópole) abandonada. Em segundo lugar, a opção do governo conservador de David Cameron é perfeitamente compreensível: jamais ele iria colocar sob a supervisão de Bruxelas (quer dizer, de Berlim e da França) a City londrina, seu centro financeiro. Um “Occupy Londres” dessa natureza é impensável. Em terceiro lugar, a situação da Europa continental é tão complicada quanto a britânica.
A imposição das balizas germânicas para gerir a crise provocou inúmeras frinchas e rachaduras – inclusive dentro da própria Alemanha. Hungria, Suécia e República Tcheca aderiram, mas condicionalmente a consultas a seus parlamentos. Os outros países também estarão sujeitos a consultas semelhantes. Até a Alemanha, cuja Suprema Corte determinou que qualquer acordo internacional dessa natureza deve ser submetido ao Bundestag.
A Dinamarca e outros países da UE, mas não da Zona do Euro, se submeteram, mas “rezingando”, como se diz no pampa. Mesmo nessa Zona as “adesões” não se deram sem “refugos”, para dizer o mínimo. Na própria França, este é o caso. A França (quer dizer, o governo de Sarkozy) nunca escondeu que prefere um “clube seleto” para decidir as políticas da moeda euro a essa colcha de retalhos em que a Zona do Euro acabou se transformando. Porém também não quer ver seu sistema bancário escrutinado por Bruxelas – ou seja – Berlim.
A hegemonia conservadora que rege o Consenso (ou a Corte) de Bruxelas não gosta de ser lembrada que deve olhar para os povos cujos destinos dirige: prefere dirigi-los sem vê-los. Mas desta feita uma coisa está cada vez mais evidente: o modo autocrático de gerir a crise gerou Europa afora mais ressentimentos do que reconhecimento. Um novo movimento semelhante ao de 1848, que momentaneamente implodiu a Europa da Santa Aliança restauradora, pode estar em preparo. Mas como naquela ocasião, quem pode acabar “levando” esse descontentamento é a direita, não a esquerda. Como, aliás, naquela ocasião, o próprio Marx previu.
Na Alemanha, as pesquisas de opinião revelam uma divisão: a última, feita pelo jornal sensacionalista Bild, mostra que metade do eleitorado acha que o país estaria melhor sem a UE, e que metade acha que não. O resultado (pelo menos na versão em que li) é impreciso, porque esse “eleitorado” é tratado “em bloco”: não se sabe que grupos apóiam o que, que faixa etária, classes sociais, regiões, etc. Mas de qualquer modo, é um sintoma das perplexidades cotidianas em que se navega por aqui.
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