No dia 24 de julho, véspera do Dia Nacional da Galiza (ou Galícia), no
noroeste da Espanha, chegou ao fim por problemas econômicos o jornal
diário galego Vieiros, o primeiro totalmente monolíngue em galego a chegar à internet.
É o fim de um importante jornal, com 15 anos de história, escrito
na norma galega mais condizente com o idioma, a que difere da norma
imposta pela Espanha. A língua castelhana e o galego compartilham
semelhanças marcantes, tanto gramaticais quanto de pronúncia. Para os
desavisados, o galego pareceria uma mistura estranha de português e
espanhol, ou algo entre ambas as línguas. Graças a esta semelhança e a
esta comum confusão, a Real Academia da Língua Galega, controlada pela
Espanha, faz de tudo para sufocar o galego e torná-lo um mero dialeto
do espanhol e não a língua rica em história e literatura que é.
As tentativas da Espanha de sufocar o galego são conhecidas,
históricas. O partido governante na Galiza, o PP, é um grande
incentivador deste genocídio cultural, promovendo políticas visando à
absorção do galego na esfera da língua espanhola, dificultando o acesso
da população à TV e demais entretenimentos e meios de comunicação
portugueses (o galego e o português já formaram a mesma língua e hoje
continuam muito próximos) e impedindo o ensino da língua nas escolas
básicas.
O “galeguismo” é ainda fraco se comparado ao forte sentimento nacional basco ou catalão.
Violência
Dizem os especialistas que o início do reconhecimento da população
da Galiza enquanto galegos, e não espanhóis, se deu tardiamente e foi
brutalmente interrompido em seu auge pela Guerra Civil Espanhola que,
junto com a gigantesca migração de galegos para a América Latina,
enfraqueceu o movimento.
A Galiza, historicamente, foi submetida a extrema violência pelo
governo central castelhano e a região foi, durante muitos séculos,
mantida na pobreza. A Espanha se esforçou por vários séculos em separar
a Galiza da Espanha, não só geograficamente, mas culturalmente, impondo
o ensino exclusivo em espanhol, dficultando o intercâmbio na fronteira
galaico-portuguesa e criminalizando o uso do galego. Ironia máxima: um
dos grandes responsáveis pela destruição do galeguismo era ele mesmo um
galego – Francisco Franco.
Desde o fim da ditadura franquista (1939-1975), porém, o movimento
galeguista vem ressurgindo com força, seja puxado pelo Bloque
Nacionalista Galego (BNG, uma federação de partidos de esquerda e
nacionalistas), seja por outros partidos políticos menores (Nós-Unidade
Popular, FPG, etc) ou grupos culturais.
Contradição
A política galega, em si, é extremamente complicada. A maioria da
população se declara conservadora, muitos falam apenas o espanhol e seu
galeguismo não passa de um mero traço regional. Outra parte da
população é francamente nacionalista, defensora de um Estado galego,
enquanto outra parcela é irredenta – ou seja, consideram-se parte da
herança portuguesa e gostariam de ver a Galiza unificada com Portugal.
Porém, uma ideia que unifica os grupos anti-Espanha prega a entrada
da Galiza na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Defendendo ou não a união com Portugal, o fato é que o galego e o
português são línguas irmãs.
Infelizmente, os países-membros da CPLP preferem apoiar a adesão da
Guiné Equatorial – uma ditadura sanguinária cujo português não é falado
por ninguém, e não passa de uma terceira língua oficial imposta há um
mês – do que incluir nossos irmãos galegos, cuja influência é sentida
especialmente no falar nordestino. Expressões como “oxe” ou “oxente”
têm origem galega, da imensa imigração vinda do sul da região e do
norte de Portugal, que também sofreu influência galega ao longo dos
séculos de contato.
Outros casos
O que se vê na Europa, aliás, e em particular na Espanha, é a
tentativa de governos em suprimir o uso de línguas minoritárias. Cabe a
grupos culturais e políticas realizar um processo de revitalização, por
assim dizer, ou de conscientização. O mero ato de governos não fazerem
nada para promover as línguas minoritárias já se configura como um
atentado. A França é um caso especial: o catalão falado no Rossilhão
ainda permanece vivo pela ação de grupos culturais e políticos; o
bretão vai pelo mesmo caminho, assim como o provençal/occitano e outras
dezenas de línguas que, garanto, a maioria nunca ouviu falar.
Na Espanha, as autonomias como a Catalunha e o País Basco
conseguiram realizar grandes avanços, mas existe uma enorme briga em
Navarra, região basca onde a língua é falada no norte e na chamada
“zona de transição”. No sul, não existe qualquer tipo de ensino
controlado pelo governo e fala-se apenas o espanhol, ou assim querem
fazer crer.
Em situação pior se encontra o leonês. Fazendo parte da região de
Castela, a língua vem rapidamente sumindo e apenas grupos culturais e
folclóricos ainda tenta fazê-lo sobreviver, mas com sucesso limitado. O
asturiano, o extremenho e o aragonês são línguas correndo grande perigo
de desaparecer pela falta de preocupação do Estado em dar suporte à sua
utilização e ensino.
Centelha
E o galego, apesar de ter uma região autônoma própria e de ser
falado por uma ampla maioria da população, é constante vítima do
governo de caráter fascista local e da imposição de uma norma
homogeneizadora e cruel, que a faz se assemelhar demais com o Espanhol
e a perder sua identidade.
O fim do Vieiros pode ter dois significados distintos – ou,
ao menos, deixar dois questionamentos ou possibilidades. De um lado,
seu fim pode ser o retrato do enfraquecimento do movimento galeguista,
uma vitória espanhola que vem na esteira do controle de longa data do
PP (Partido Popular, conservador) das terras galegas, por outro, pode
ser apenas reflexo da crise econômica que atinge a Europa – como parece
ser o caso – e a centelha que fará o movimento ressurgir com força e
ocupar os espaços que surgem a cada dia.
*Raphael Tsavkko Garcia é mestrando em Comunicação e blogueiro. Escreve o Blog do Tsavkko e é autor e tradutor do website Global Voices Online.
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