Dezessete pessoas que trabalhavam nos centros de detenção clandestinos Club Atlético, El Banco e El Olimpo na Argentina sentam-se hoje (25) no banco dos réus do Tribunal Federal Oral 2 de Buenos Aires – segunda instância da Justiça Federal – na presença de 400 testemunhas de acusação. Todas são acusadas de praticar crimes de privação ilegal da liberdade, estupro, tortura e assassinato nas prisões ilegais durante a última ditadura militar (1976-1983).
Na época, as prisões estavam sob jurisdição do Primeiro Corpo do Exército, maior unidade militar argentina e que abrangia a capital e a província de Buenos Aires – zona urbana mais povoada do país. Os centros funcionavam em rede, como um circuito de tortura, já que o total de 1,5 mil detentos que passaram por lá eram transferidos de um ponto ao outro. Os torturadores também eram intercambiados.
Cézaro de Luca/EFE (17/11/2009)
Víctor Basterra, torturado durante a ditadura argentina, visita o maior centro de detenção clandestino, a ESMA
Dos réus, dez foram membros da Polícia Federal; um, agente do Serviço Penitenciário Federal; dois, agentes da polícia estrangeira; três, membros do Exército e um, agente civil de inteligência, conforme apurou o Opera Mundi.
Torturadores famosos
Entre eles está o policial Julio “El Turco” Simón, conhecido por estuprar as prisioneiras na frente dos maridos. A justificativa era de que o fazia “pela pátria”.
Durante o regime militar Simón se definia como “Deus da vida e da morte” e há dois anos confessou que “o critério geral era matar todo mundo”. Ele ficou famoso pelo sadismo com que torturava os prisioneiros judeus, empalados com um cabo de vassoura, e deficientes físicos, que costumava atirar do alto de uma escada. Durante as sessões de tortura, o policial utilizava uma braçadeira com uma suástica, ouvia marchas alemãs e discursos de Adolf Hitler.
Outro dos responsáveis pela chefia dos centros de detenção, o general aposentado Jorge Olivera Róvere, foi condenado no final de outubro à prisão perpétua e aguarda em liberdade a confirmação da pena em última instância.
Pepe Robles
Manifestação realizada em 24 de março de 2006 pelos 30 anos do golpe militar
Entre os réus está também Raúl Antonio Guglielminetti, ex-agente civil de inteligência do exército. Ele foi um dos principais homens do “Plano Condor”, como é chamado o sistema de captura e intercâmbio de prisioneiros políticos e informação entre as ditaduras do Cone Sul naquele período.
Entre 1974 e 1975, Guglieminetti foi o braço direito de Aníbal Gordon, chefe da organização paramilitar de ultradireita Tríplice A (Aliança Anticomunista Argentina). Após o golpe de 1976, ele se transformou no chefe do poderoso Batalhão 601 de Inteligência. No início dos anos 1980, Guglielminetti foi enviado pelos militares para colaborar com os contras da Nicarágua, grupos contrários aos sandinistas.
Outro responsável pelas prisões, o general Carlos Suárez Mason, faleceu em 2005.
Segundo especialistas, o processo oral e público pode durar cerca de oito meses e ouvirá as 400 testemunhas de acusação. Alguns deles são sobreviventes dos centros clandestinos. Outros, filhos e esposas de desaparecidos.
Anistia
A maioria dos casos foi aberta ou reaberta em 2005, quando a Argentina revogou as leis Ponto Final (1986) e Obediência Devida (1987), após um processo de quatro anos. Isso permitiu a reabertura de processos contra ex-militares e ex-policiais.
A partir de então, 260 repressores da ditadura foram processados, dos quais 53 receberam a condenação, entre ex-militares, ex-policiais, sacerdotes e civis, responsabilizados por violação de direitos humanos.
Em dezembro começarão os julgamentos dos responsáveis pelos crimes cometidos dentro da ESMA (Escola de Mecânica da Armada), em Buenos Aires, e que foi considerada um centro de torturas emblemático do regime militar. Para lá foram levados cinco mil prisioneiros, a maioria desaparecidos.
Em sete anos de ditadura, cerca de 30 mil pessoas desapareceram nas prisões clandestinas, e por volta de 500 crianças foram roubadas e entregues à adoção ilegal.
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