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Política e Economia

Ainda em discussão no Brasil, educação de gênero é realidade na Argentina desde 2006

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Ministério de Educação do país investe em capacitação docente para vencer resistências à incorporação do conceito em sala de aula

Aline Gatto Boueri

2015-10-11T09:00:00.000Z

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"Reconhecer diversas formas de organização familiar", "valorizar e respeitar formas de vida diferentes das próprias", "romper com estereótipos de gênero". Esses são alguns dos objetivos de atividades propostas em manuais do ME (Ministério de Educação) da Argentina destinados a docentes que trabalham com educação sexual em salas de aula do ensino fundamental.

Enquanto a inclusão da perspectiva de gênero e conteúdos sobre sexualidade no currículo escolar geram debates acalorados no Brasil - e prevalece a visão contrária ao ensino dessas temáticas - a Argentina conta, desde 2006, com uma Lei Nacional de ESI (Educação Sexual Integral). A norma garante aos estudantes das redes pública e particular de todo o país, da educação infantil (para crianças com até cinco anos) ao ensino médio, o direito a trabalhar em sala de aula conteúdos relacionados à sexualidade.

Dois anos depois da sanção da lei, em 2008, o Conselho Federal de Educação definiu os princípios que deveriam guiar a ESI, cujos pilares são a perspectiva de gênero, o foco em direitos, o respeito à diversidade, o cuidado com o corpo e a saúde e a valorização da afetividade.

Reprodução

País preparou materiais de conscientização para alunos e professores sobre educação sexual

Para a antropóloga Marcela Bilinkis, que pesquisa experiências de educação sexual em jardins de infância em um projeto da UBA (Universidade de Buenos Aires), os estudos de gênero contribuem para que a educação seja mais justa. "Essa perspectiva problematiza a narrativa do binarismo sexogenérico, na qual existem apenas dois sexos possíveis e uma única forma de sexualidade, a heterossexualidade", explica a Opera Mundi. "Também abre possibilidades [para crianças e jovens] de identificação com outras formas de ser mulher ou ser homem, sem que isso apareça como patologia ou algo que precisa ser corrigido."

Para a professora de ensino médio e capacitadora em ESI Verónica Zorzano, o conteúdo de educação sexual pensado para as escolas argentinas tem impacto em outros âmbitos da sociedade, como o acesso à saúde ou a prevenção de abusos sexuais. "É uma questão de dar ao jovem o poder ao se conhecer e conhecer seus direitos, ao saber que o que sente não é uma anomalia, ao identificar situações de abuso dentro ou fora da família", destaca.

Desafios na implementação

Apesar dos quase 10 anos que já se passaram entre a aprovação da lei de ESI, nos quais também foram aprovadas leis de matrimônio igualitário e de identidade de gênero, o ME ainda enfrenta dificuldades para que a lei seja cumprida em todo o território argentino. Fontes consultadas por Opera Mundi afirmaram que entre os desafios da lei está fazer com que, em uma federação, todos os estados garantam que os conteúdos ligados à sexualidade sejam trabalhados na escola dentro dos pilares que sustentam a ESI.

Outro aspecto da lei que demanda um esforço especial é o caráter transversal da educação sexual, ou seja, que professores de todas as matérias trabalhem seus conteúdos com a perspectiva de educação sexual em sala de aula.

Federico Holc, professor do ensino médio em um colégio de Buenos Aires, conta que essa pulverização da responsabilidade em educação sexual termina por ser uma barreira para a implantação da lei. "A capacitação não é obrigatória e a transversalidade faz com que a transmissão dos conteúdos da ESI fique à mercê da boa vontade de cada professor", reclama. Ele reforça que capacitação permanente em todas as escolas é fundamental, "senão a implantação vai demorar o tempo que demora para que toda a sociedade mude".

Reprodução

Professores - de todas as áreas - devem ser preparados para falar sobre o assunto, diz Lei de Educação Sexual Integral

Zorzano acredita que a mudança excede o âmbito escolar. "Há muitas coisas que os docentes devem repensar, que são muito diferentes do que eles mesmos aprenderam". Ela conta que alguns oferecem resistência ao incorporar os conteúdos de ESI em suas matérias por motivos religiosos, mas também por questões ideológicas. "Mesmo para quem não exerce religião, há aspectos religiosos muito incorporados".

Holc completa que, inclusive para aqueles que não têm um pensamento religioso, "a ideia de que existe algo natural no sexo e que isso define tudo é muito difícil de superar"

Formação docente

"Capacitação é o maior aliado no combate a essa situação", diz Sofía Conti, socióloga e tutora virtual do curso para docentes, que desde 2013 trabalha com o PNESI (Programa Nacional de Educação Sexual Integral). Criado em 2008 pelo ME, o programa cuida da implantação da lei e, desde 2012, deu impulso a um esforço massivo de capacitação docente. "É um processo que demanda tempo e um investimento grande do Ministério de Educação. A convocatória é para docentes e diretores de escolas públicas, particulares e religiosas de todo o país, sem distinção".

Panfletos de programa argentino abrangem todas as etapas do currículo; neste panfleto, jovens falam de abuso e problemas (Reprodução)Conti conta que se coloca ênfase na formação em gênero e em diversidade sexual, justamente porque são os aspectos que sofrem mais resistência por parte dos professores. "Há um olhar ainda muito biológico sobre a sexualidade, com a ideia de que está vinculada à genitália. Ainda não se abandonou por completo a visão binária do sexo".

Apesar das dificuldades e da sensibilidade do tema, que abrange a sexualidade na infância e a reorganização de conceitos muito arraigados e naturalizados na sociedade - como o que é ser homem ou mulher - a aprovação da lei trouxe consigo mudanças importantes na visão de professores sobre o assunto.

Um relatório sobre a aplicação da lei de ESI publicado na primeira semana de outubro pelo ME, do qual Conti participou como pesquisadora, revelou que 71% dos diretores e 75% dos professores entrevistados mudaram "muito" ou "bastante" suas ideias sobre educação sexual depois da capacitação oferecida pelo ME.

Ainda assim, quando perguntados sobre a incorporação dos pilares da lei de ESI nos projetos educativos de suas escolas, o aspecto de gênero foi o menos indicado: 84% dos diretores e 78% dos docentes identificaram sua inclusão. Já o cuidado do corpo e da saúde foi o mais mencionado, por 95% dos diretores e 89% dos docentes.

"A educação sexual por si só não garante algo concreto, justamente porque estamos falando de um campo de disputas sociais. Mas a existência de uma lei gera a obrigatoriedade - com todas as dificuldades que a ideia de obrigatoriedade implica - e é um impulso para que esses assuntos ganhem lugar nas escolas", conclui Bilinkis.

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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