Tive a oportunidade de debutar como observador político em um evento da campanha eleitoral do pré-candidato republicano à Presidência Donald Trump.
Trump foi discursar na cidade de Louisville, capital de Kentucky, no dia 1º de março, dia de “Super Tuesday” (Super Terça) nas prévias eleitorais. O Estado não está entre os 12 que fizeram suas prévias naquele dia, porém neste sábado (05/03) Kentucky terá suas prévias republicanas, justificando a breve passagem do magnata pela cidade.
Alfredo Juan Guevara Martinez / Opera Mundi
Como observador de primeira viagem, fiquei surpreso com algumas das coisas que pude ver, mesmo com o que era previsível. A fila de comparecimento era longa, fazia a volta em mais da metade do Centro de Convenções Internacionais de Kentucky, que ocupa mais ou menos dois quarteirões completos. Nesta fila, de centenas de pessoas, vi somente três pessoas negras: uma senhora que ia entrar e um par de vendedores ambulantes vendendo material de campanha de Trump, como bonés e camisetas, para os espectadores. A maior parte do público era visivelmente composta de homens e mulheres brancos, sem um perfil socioeconômico específico, à exceção de um punhado de pessoas formalmente trajadas como se estivessem imitando o magnata Trump.
O material de campanha que era vendido ao longo da fila era, no mínimo, caricato. Além dos tradicionais bonés e camisetas apoiando Trump, havia bottons pedindo a prisão de Hillary Clinton, dizendo “Bomb the hell out of ISIS” (“Vamos bombardear para valer o Estado Islâmico”) e até camisetas temáticas do filme “Guerra nas Estrelas”, sob o título de “Restoring the Republic” (Restaurando a República), colocando Hillary e Obama como os vilões do Império Galáctico e Trump como o Jedi defensor da República. Mas o que mais me chamou a atenção foi a adoção pelo público do slogan “A maioria silenciosa permanece com Trump”.
Alfredo Juan Guevara Martinez / Opera Mundi
Em contraste a tudo isso, do outro lado da rua do Centro de Convenções, um pequeno grupo de jovens de diversas etnias carregava cartazes com dizeres como “Somos todos imigrantes”, “Diga não ao racismo” e “Vamos construir pontes e não muros”, sendo debochados ocasionalmente por algumas das pessoas na fila.
No evento principal, o discurso de Trump foi recheado de mais do mesmo. O candidato iniciou sua fala anunciando que as pesquisas apontavam que no sábado ele estaria vencendo em Kentucky com uma margem de 49% contra 16% para Marco Rubio e 15% para Ted Cruz, os outros principais pré-candidatos republicanos. Sob aplausos do público, ele agradeceu o povo de Kentucky, mas pediu para que eles prometessem comparecer às urnas para votar nele, com o carinho com que “uma avó pede para seu neto visitá-la novamente no almoço de domingo” (vale lembrar que nos Estados Unidos o voto é facultativo e os candidatos dependem fortemente de sua capacidade de persuadir o público a comparecer às eleições).
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Entrando em seus planos para a Presidência, Trump começou falando sobre o problema da imigração ilegal e, para o delírio da maior parte de seu público, frisou seus planos de construir um muro na fronteira com o México e que faria o governo mexicano pagar pela obra, “mesmo que eles não saibam ainda”, completou. O empresário aproveitou esse gancho para destacar o mérito de como sua campanha é autofinanciada, desvinculando-o de interesses de contribuintes de grande porte (como grandes organizações de lobby), e que era isso o que o diferenciava dos demais candidatos republicanos. Ted Cruz e Marco Rubio são, ambos, políticos de carreira e, portanto, estariam fadados a ter que defender os interesses dos fortes lobbys que os financiam e não os interesses gerais do povo.
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Em seguida, Trump partiu para o ataque a Obama, defendendo que o desemprego real nos Estados Unidos não é de 5%, como defende a administração do atual presidente, mas deve chegar a 25%, questionando a veracidade dos dados fornecidos pelo governo federal. Nesse tema, o republicano aproveitou para destacar como Hillary, assim como Obama, era fraca, e não conseguiria tomar decisões efetivas em casos urgentes, como o terrorismo, ressaltando seu slogan de que assuntos militares no exterior seriam resolvidos de forma rápida e direta sob sua gestão – oportunidade perfeita para reforçar o slogan dos bottons “Let’s bomb the hell out of ISIS”.
Alfredo Juan Guevara Martinez / Opera Mundi
Curiosamente, os ataques ao possível rival democrata se focaram apenas em Hillary Clinton, dando a entender que Trump nem considera que Bernie Sanders possa ser eleito nas prévias democratas como candidato à Presidência. Em contrapartida, durante toda a fala do magnata, assim que ele mencionava o nome de Clinton ou Obama, surgiam aplausos e gritos de torcida, em contraste com o mar de vaias. Acontece que havia um grupo com cerca de 150 pessoas (pela minha estimativa), composto majoritariamente por jovens de diferentes etnias, com cartazes que traziam desde mensagens antiTrump até apoio ao candidato Bernie Sanders e pedidos pelo fim da discriminação contra negros e imigrantes.
Esses empolgados “infiltrados” foram se manifestando em pequenos grupos, aos poucos, fazendo com que durante todo o discurso Trump constantemente tivesse que interromper sua fala e pedir com deliberada grosseria que os manifestantes fossem retirados do local, lamentando que nesta época o “politicamente correto” seja a única atitude que possa ser tomada frente a essas manifestações. No fim do evento, todos os infiltrados se juntaram em dois grupos grandes, em cada uma das duas saídas dos eventos.
Alfredo Juan Guevara Martinez / Opera Mundi
Como balanço final, foi possível observar que a estratégia de usar seu carisma expansivo e nada sutil agrada um público específico de maioria branca, pelo menos em Kentucky. Essa constatação não é surpresa considerando o grande percentual de população branca em Kentucky (88% em 2014), porém foi interessante o contraste da Maioria Silenciosa frente aos manifestantes antiTrump infiltrados, representando as “Minorias Ruidosas”, que conseguiram, pelo menos, perturbar a breve campanha de Kentucky.
Donald Trump, fazendo jus a sua fama de exageros, estimou que havia 20 mil pessoas no Centro de Convenções, enquanto meus olhos mais céticos – e alguns comentários da polícia que fazia segurança do evento que entreouvi – estimaram um público de 3 mil a 5 mil pessoas.
*Mestre em Relações Internacionais pela PUC-MG, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) e do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP (IEEI-UNESP).