A Assembleia da República de Portugal rejeitou nesta quarta-feira (27/10) o Orçamento do Estado proposto pelo primeiro-ministro António Costa (Partido Socialista). Tanto o Bloco de Esquerda (BE), quanto o Partido Comunista Português (PCP) – que dão sustentação ao governo do premiê na coligação não oficial que ficou conhecida como “geringonça” – votaram contra o texto.
A decisão abriu uma crise política no país. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa já havia anunciado que, caso o Orçamento não fosse aprovado, dissolveria o Parlamento e convocaria novas eleições legislativas.
Sem os votos dos partidos de esquerda, o governo de Costa não tem sustentação parlamentar. O PS tem um governo de minoria, com 108 dos 230 deputados. O BE tem 19 e o PCP, 12, o que dá, assim, uma maioria extraoficial aos socialistas.
Esse esquema, que ficou conhecido justamente como “geringonça”, desabou com a reprovação do orçamento nesta quarta.
Para que o texto fosse aprovado, eram necessários 116 votos, mas ele foi rejeitado por 117 deputados, contra 108 a favor (todos do PS) e 5 abstenções. Além dos partidos de esquerda, a oposição de direita, de centro-direita e de extrema direita também foi contra a proposta orçamentária.
Após a derrota, Costa disse que cabe ao presidente Rebelo de Sousa tomar uma decisão. “O governo entende e respeita a decisão da Assembleia da República”, afirmou. “O governo sai desta votação com a consciência tranquila e cabeça erguida. Nunca voltaremos as costas para nossas responsabilidades e aos portugueses.”
Discurso de António Costa
Em discurso ao Parlamento antes da votação, Costa disse que “um voto contra da esquerda é uma derrota pessoal para ele”, afirmando que tem orgulho do que conquistou nos “últimos seis anos” de “geringonça”.
“No final destes dois dias de debate, estou aqui com a serenidade e liberdade de quem está com a consciência tranquila. A consciência de que o governo apresentou uma boa proposta de orçamento, que é coerente com a visão estratégica para Portugal”, disse o premiê. “Fiz tudo, tudo o que estava ao meu alcance para viabilizar o orçamento sem aceitar o que em boa consciência o que o país pudesse suportar. O governo cumpriu a sua parte.”
Já admitindo a derrota, ainda durante seu discurso Costa disse esperar que a “vitória da direita” no tocante ao orçamento seja uma “vitória de Pirro”, e que, nas eleições que devem vir, o PS consiga a maioria na Assembleia da República. “Espero ter maioria estável e reforçada”, afirmou.
O que a esquerda queria
Entre as reivindicações feitas pelo BE e pelo PCP, estavam alterações na legislação trabalhista, um maior reajuste no salário mínimo, mudanças em impostos e um incentivo maior ao sistema de saúde, fragilizado por conta da pandemia de covid-19. Os três partidos chegaram a se sentar para negociar modificações do orçamento, mas não conseguiram alcançar um acordo.
A proposta foi tão mal recebida pelos partidos de esquerda que, pela primeira vez desde 2015, segundo o jornal Público, os comunistas anunciaram que votariam contra. Ainda em 12 de outubro, dia seguinte à apresentação do orçamento pelo governo, o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, disse que o texto “não respondia” a questões fundamentais defendidas pelo partido.
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Orçamento apresentado pelo premiê António Costa foi rejeitado com votos dos partidos que faziam parte da ‘geringonça’
“A epidemia tornou os problemas do país ou mais evidentes ou mais graves. Qual é a perspectiva que o governo quer para 2022? É aprender com a epidemia ou é fazer de conta que nada aconteceu?”, questionou Oliveira.
“Na situação atual, considerando a resistência do Governo até este momento em assumir compromisso em matérias importantes além do Orçamento e também no conteúdo da proposta de Orçamento que está apresentada, ela conta hoje com a nossa oposição, com o voto conta do PCP”, afirmou, ainda de acordo com o Público.
Já o BE disse que a culpa pela rejeição do Orçamento é do partido de Costa, que teria deixado de dialogar com a esquerda, e acusou o governo de tentar abrir uma crise política de propósito. “Este é o governo que quer criar uma crise política porque rejeita retirar os cortes da troika”, disse Pedro Filipe Soares, deputado do agrupamento de esquerda, segundo o portal do Bloco.
Para Costa, no entanto, “oito dos nove pedidos do Bloco não tinham a ver com o orçamento”.
Por sua vez, o líder do PSD, Rui Rio, fez piada com a implosão da “gerigonça”. “A geringonça, aqui, está em estado de rigor mortis. Jaz aqui a geringonça. Era uma aliança contra natura, mas sobreviveu até o assalto final”, afirmou.
Cenário eleitoral em Portugal
As pesquisas mostram que, se Rebelo de Sousa convocar eleições, o Partido Socialista tem chances de ser o partido mais votado, mas o partido Chega, de extrema direita, aparece em terceiro lugar em algumas sondagens.
De acordo com uma pesquisa divulgada na semana passada pelo instituto Eurosondagem, o PS aparece com 38% das intenções de voto, 4 pontos percentuais a menos do que um levantamento feito no mês anterior; o PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita, vem em segundo, com 28%; em terceiro, aparece o Chega, com 9%.
A CDU (Coligação Democrática Unitária), que reúne o PCP e os Verdes, tem 6%, empatado com os direitistas da Iniciativa Liberal. O Bloco de Esquerda tem 5% e o tradicionalíssimo e conservador CDS–PP vem com apenas 2%.
Este levantamento, se comparado com o resultado das ´´últimas eleições, em 2019, mostra até um aumento no apoio ao PS, mas, ao mesmo tempo, aponta para um crescimento da extrema direita. O Chega, na época, teve 1,29% dos votos e fez apenas um deputado.
Os números também indicam uma possível perda de apoio do Bloco de Esquerda, que terminou o pleito de 2019 com 9,52%.