Atualizada às 22h10
Uma vez li um trabalho produzido por um diplomata sobre a “política externa do governo José Sarney”. É um dos poucos trabalhos sobre este assunto, ponto para o diplomata.
Ele faz entrevistas com Sarney e alega estar fazendo “história oral”. Quando você lê o que o diplomata escreveu, fica-se com a impressão de que não havia alma mais competente e íntegra do que Sarney.
Quando se pegam relatos do antigo Egito, os escribas dizem que “durante o reinado do faraó Y o trigo crescia a 5 metros do solo e as vacas tinham de 2 a 3 bezerros por parto”. Entre os antigos Aztecas, temos relatos da chegada de barcos na América entre 2 e 3 mil anos antes de Colombo.
Uma das técnicas que os historiadores aprendem a praticar é depurar dos relatos aquilo que não pode ter acontecido, aquilo que é provável que aconteceu e o que temos certeza que aconteceu. O relato não é uma garantia de veracidade. O positivismo chama isto de “crítica interna e externa do documento”. Uma ferramenta que permite que a história aconteça.
Agora se pergunte: é verossímil que megaempresas pagadoras de propina há décadas tenham registros (números de contas, nomes de laranjas, entregadores e etc) para TODOS os recebedores, mas para Lula tenham entregue em “espécie”, sem forma de rastro?
É verossímil que empresas gigantescas que há anos delinquem, guardem dados e documentações de TODOS os políticos em seus balanços de pagamento, mas tenham “obedecido” à ordem de Lula para “destruir” as provas, e é “por isto que elas não existem”?
E parece verossímil que funcionários que viviam nababescamente tenham passado dois anos sofrendo nas cadeias para se “lembrarem” destas informações contra Lula? Ou eles passaram dois anos sofrendo nas cadeias para “proteger” um político que nem cargo possui mais?
Lucio Bernardo Jr. / Câmara dos Deputados
O juiz Sergio Moro em audiência pública na Câmara dos Deputados em agosto de 2016
É possível que Odebrecht e Léo Pinheiro tenham tanto medo de Lula que passaram dois anos “defendendo” o ex-presidente, escondendo provas, tentando livrar-lhe a cara?
Mesmo se não houvesse provas materiais contrárias aos dois depoimentos (e há), ainda assim, somente pelas inconsistências entre os depoimentos e os contextos sociais e psicológicos dos alegantes, já seriam motivos suficientes para que qualquer historiador categorizasse tais relatos de “relatos para associações secundárias”, que nos servem para contrapor a narrativas mais específicas, no sentido de tentar reorganizar o passado.
Mas qual o motivo dos escribas mentirem sobre o trigo nos relatos dos faraós? É possível que de uma série de mentiras o historiador consiga depurar alguma verdade?
É. Homero escreveu a
Ilíada e nenhum historiador acredita que Ares tenha encarnado no campo de batalha, ou que Aquiles fosse indestrutível em quase todo o corpo.
Historiadores aprendemos que os silêncios são eloquentes e as mentiras têm função social e política.
Por isto é possível dizer que a Lava Jato desce ao nível dos processos da Inquisição medieval. Martírios físicos impostos aos prisioneiros, martírios psicológicos, ameaças aos familiares, humilhações e exposições públicas, desconsideração de quaisquer direitos que os réus possam ter, inversões de princípios e regras que prejudicam os réus, cerceamento de defesa, acusações tautológicas.
A chaga que Moro abre no tecido social e político, se não for cauterizada de imediato, poderá nos levar a tempos onde a violência será invocada contra o mal maior da “aplicação medieval da justiça”. E nosso país se liquefaz.