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Conflitos de dezembro começaram após a decisão de não deixar bandeira britânica permanentemente no City Hall
Na mesma segunda-feira, 3 de dezembro, em que o mundo se inteirou da gravidez de Kate Middleton, mulher do príncipe William, uma nova onda de violência se iniciava na fronteira turbulenta do Reino Unido. Na Irlanda do Norte, um protesto de cerca de mil unionistas do lado de fora do Legislativo de Belfast terminava em quebradeira e oito feridos.
Os unionistas reagiam à decisão dos vereadores de não mais hastear a bandeira britânica durante o ano todo no prédio do Legislativo. A bandeira agora só vai tremular no topo de City Hall, principal marco arquitetônico de Belfast, em datas comemorativas.
A violência dos grupos de unionistas protestantes, favoráveis que a Irlanda do Norte permaneça como parte do Reino Unido, não terminou ali. Nos dias seguintes, houve mais quebra-quebra, ameaças contra políticos, confrontos com a polícia, prisões e feridos. Na sexta, 7 de dezembro, quando Belfast recebia a visita da secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, um carro foi queimado, e outro, depredado no centro da cidade.
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Dez dias depois do conflito inicial em City Hall, as manifestações e a violência diminuíram, mas o policiamento, com o uso de jipes blindados e canhões de água, ainda é intenso.
Agência Efe
Durante visita de Hillary Clinton, no último dia 7, um carro foi queimado e outro, depredado, em Belfast
Os manifestantes são na sua maioria jovens, na casa dos 20 anos. Há inclusive adolescentes. Eles carregam a bandeira britânica e boa parte esconde o rosto. A polícia diz que os protestos são organizados via redes sociais e afirma que há paramilitares infiltrados entre os jovens.
Os confrontos recentes podem passar a impressão de que o acordo de paz da Irlanda do Norte, que completa 15 anos em 2013 e pôs fim a um conflito que em 30 anos deixou 3.500 mortos, está por se desfazer. Não é o caso. Os católicos republicanos e os unionistas protestantes governam em coalizão desde 2007. No Parlamento da Irlanda do Norte, o governo e os partidos unionistas vêm condenando a onda de violência.
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Se a convivência e o pacto entre os líderes políticos têm sido possíveis, o mesmo não ocorre em relação às comunidades. A divisão entre elas ainda permanece acentuada. Em Belfast, protestantes e católicos se concentram em áreas diferentes da cidade. Bandeiras (da Irlanda ou do Reino Unido) e murais pintados no lado externo das casas identificam e demarcam os territórios.
Antes dos problemas por conta da bandeira em City Hall, outros protestos e reações violentas ocorreram na Irlanda do Norte. No verão passado, jovens unionistas entraram em confronto com a polícia em Belfast por causa da mudança no itinerário dos tradicionais desfiles de bandas protestantes. Em Derry, a 110 km de Belfast, dissidentes republicanos foram presos neste mês com um lançador de foguetes.
“Nem guerra, nem paz”
Em artigo escrito em meados da década passada, o pesquisador Roger MacGinty, da Universidade de Manchester, classifica o processo de paz da Irlanda do Norte como uma situação de “nem guerra, nem paz”, ou seja, quando existe um tratado de paz formal, mas esse acordo não consegue transformar a sociedade, reconciliá-la. Segundo ele, o acordo pode terminar com a violência direta, propiciar segurança e governança, mas não a confiança entre as pessoas.
Carlos Latuff/Opera Mundi
Em Belfast, símbolos como este mural a paramilitares unionistas dividem a cidade e identificam as áreas de católicos e protestantes
“Os custos dessas situações de nem guerra e nem paz são enormes e pedem respostas urgentes. O fracasso em dar conta das bases estruturais do conflito pode levar à volta da guerra civil. Aceitar essa situação pode condenar os habitantes à violência indireta e à pobreza”, escreveu MacGinty, especialista em conflitos.
A violência dos últimos dias em Belfast indica que a descrição do professor se mantém atual. O “Relatório de Monitoramento da Paz na Irlanda do Norte”, de 2012, também mostra que a análise de MacGinty continua pertinente. O estudo foi feito pela organização independente Community Relations Council. O relatório resume a situação da Irlanda do Norte em “dez pontos chaves”, que caracterizam a hibridez de um estado de “nem guerra, nem paz”.
Entre esses pontos, o relatório declara que as instituições políticas estão seguras; a violência caiu; o paramilitarismo continua uma ameaça; o desemprego entre jovens pode ter um efeito desestabilizador; a Irlanda do Norte continua uma sociedade muito dividida; e não há uma estratégia para a reconciliação.
Na sua recente visita a Belfast, Hillary Clinton foi além de condenar a violência. Ela disse que os políticos locais deveriam trabalhar mais junto às comunidades, nos lugares “onde ainda não há o sentimento de esperança” com o processo de paz.
O conselho é sábio. Na Irlanda do Norte, o acordo de paz aumentou a segurança, atraiu investimentos e melhorou a qualidade de vida em relação ao período do conflito aberto entre protestantes e católicos. O processo precisa agora se tornar mais inclusivo, enraizar-se na sociedade, ou a ameaça representada pelos surtos de violência pode tornar-se mais frequente.