Diferentes idiomas, vestimentas, cores de pele, feições. A terceira edição do fórum Aliança de Civilizações, realizado pela ONU e que terminou neste sábado (29/5) no Rio de Janeiro, reuniu chefes de governo, 50 ministros e mais de 7 mil pessoas da sociedade civil de 120 países de todos os continentes. Considerada um sucesso pelos organizadores do evento, a Aliança foi chamada de “segundo maior fórum internacional do mundo”, em número de nações participantes.
O ministro dos Negócios Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, afirmou que nesta semana foi criado o “espírito do Rio”, dando continuidade àquele de Madri (2008) e de Istambul (2009).
“A Aliança das Civilizações não é apenas uma utopia ou ideal, mas um meio de trazer uma nova ordem política e também evitar crises interiores”, disse o chanceler turco. “O diálogo cultural pode trazer um novo caminho para questões políticas. Estabelecer uma nova ordem cultural pode gerar uma nova ordem política”.
Dentre os diversos temas abordados, além das repercussões do acordo nuclear de Teerã (mediado pelo Brasil e pela Turquia em 17 de maio), a crise financeira mundial e suas consequências ganharam destaque. O secretário-geral ibero-americano, Enrique Iglesias, expôs receios sobre possíveis tensões entre povos em decorrência da crise.
“Na década de 1930, a crise mundial foi sucedida por guerras e pelo Holocausto. O mundo hoje está diferente, mas são notórias as tensões, como a pobreza, discriminação e exclusão”, afirmou o espanhol.
Representando o primeiro-ministro da Espanha, José Luís Rodríguez Zapatero, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Miguel Ángel Moratinos, demonstrou a preocupação de seu país com as consequências da situação financeira. Junto com Portugal, Irlanda e Grécia, a Espanha foi um dos países europeus mais afetados pela crise.
“Estamos vivendo anos de incerteza, com o desmoramento de gigantes econômicos. Com a crise, notam-se a ausência e a necessidade de uma governança global e eficaz. Nesse aspecto, a Aliança de Civilizações age como uma diplomacia preventiva. A crise não pode ser desculpa para descumprir as Metas do Milênio, elas são agora mais necessárias”, afirmou o chanceler espanhol.
A crescente xenofobia nos países europeus agora atingidos pela crise foi alvo de críticas da presidente da Argentina, Cristina Kirchner. “O Ocidente deve ter respeito pela forma de organização de cada país, sendo que os direitos humanos devem ser o valor universal. Usar o que quiser, orar quando quiser, sem ser discriminado. Não gosto do termo 'tolerância', pois indica não concordar, não gostar e acabar aceitando. Prefiro integração”, afirmou, recebendo aplausos.
Juventude
Um dos pontos centrais da Aliança de Civilizações é o papel dos jovens no diálogo intercivilizacional. Atualmente, metade da população mundial tem menos de 25 anos, sendo a grande maioria nos países em desenvolvimento. De acordo com o secretário-geral da ONU, Ban Kin-Moon, que visitou jovens na favela da Babilônia, zona sul do Rio, na última quinta-feira (27/5), três quartos dos principais conflitos no mundo hoje têm uma dimensão cultural.
Ban Kin-Moon ressaltou ações da Aliança como o trabalho com jovens de diferentes etnias no Burundi, a mediação de conflitos no sul da Ásia, o aconselhamento em bairros de imigrantes na Europa e a criação de empregos para os jovens no Oriente Médio e norte da África. “Educação é mais do que aprender. Às vezes também é desaprender. Temos de abandonar os estereótipos do outro monolítico” afirmou.
A xeica Mozah bin Nasser Al-Missned, representante do Catar, onde ocorrerá o IV Fórum em 2011, falou sobre sua preocupação com os jovens no território de Gaza. “Eles estão sendo cercados e ameaçados. Jerusalém não é só para os árabes, mas o que significa o muro que isola? Com a proibição de passagem de materiais, como os de estudo, o que esperam dos jovens?”, afirmou, indicando que as ações de Israel na região podem gerar o escalamento ainda maior dos conflitos.
Direitos humanos
Outro tema de debates foi o respeito aos direitos humanos pelo mundo. O Ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, não negou a ocorrência de violações desses direitos no Brasil, como práticas de tortura e trabalho escravamo, mas afrimou que pela primeira vez esse tema passou a ser tratado como política de Estado.
“Pólos opostos na disputa política, inclusive na próxima disputa eleitoral, mantém-se política de continuidade em relação aos direitos humanos”, disse.
Ruídos no diálogo
Mesmo com todos os avanços indicados nas discussões do fórum, ainda ouviam-se vozes dissonantes ao discurso de conciliação. O presidente da Bolívia, Evo Morales, tentou responsabilizar europeus no passado e, apesar de não afirmar textualmente, os Estados Unidos, pela tentativa de consolidar uma civilização dominante. “Na América Latina, os povos originários, indígenas, foram levados à morte em nome do que se chamava de civilização. Todos nós somos civilizações. É preciso reconhecer a diferença do outro e não temer a diferença”, defendeu.
Morales terminou o discurso conclamando os participantes a se unirem contra o que o presidente boliviano classificou como “anticivilização”.
“A anticivilização quer impor-se a outras civilizações de forma dissimulada. Tranformar a todos em meros consumidores. Não apenas as armas letais, mas o meio de difusão que altera nossa cultura e até nossa memória. É necessário unir-se contra essa anticivilização, para salvar a sociedade do capitalismo”, bradou.
Outro ponto de ruído ocorreu quando o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, disse, em frente a diversos cidadãos de países teocráticos, ter orgulho de viver em um Estado laico.
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