Dois dias antes de embarcar para Buenos Aires, onde se reuniu com a presidente Cristina Kirchner nesta segunda-feira (31/1), Dilma Rousseff afirmou a jornalistas argentinos a intenção de estreitar as relações bilaterais com a Argentina, para que ambas as nações ajudem no desenvolvimento econômico e social dos países da América Latina e garantam maior participação da região no cenário internacional.
Segundo a presidente, os governos brasileiro e argentino assumirão o compromisso de estabelecer uma política conjunta para este fim. “Poderemos fazer isso à medida que nossas economias se articulem de maneira mais estreita, se desenvolvam e criem laços com os quais ambos os povos ganhem com esta proximidade em termos de desenvolvimento econômico, tecnológico e de melhora das condições de vida de brasileiros e argentinos”, garantiu.
Roberto Stuckert Filho/PR
Dilma e Cristina, durante encontro com as Mães e Avós da Praça de Maio, na Casa Rosada
Dilma afirmou que os dois países têm a responsabilidade de fazer com que a região tenha cada vez mais presença e ação no cenário internacional. “E podem conseguir de forma mais efetiva quanto mais próximas forem suas economias, mais se articulem e mais se desenvolvam e criem laços, em que ambos os povos ganhem com essa proximidade, em matéria de desenvolvimento econômico e tecnológico e uma melhoria em suas condições de vida”, avaliou.
A intenção da presidente brasileira é dar continuidade e aprofundar o compromisso assumido pelo ex-presidente Lula. “Percebemos que é destino do Brasil. Seu desenvolvimento e a melhoria das condições de vida do brasileiro têm que estar ligados e compartilhados com o resto de nossa América”, disse, ao ressaltar a importância dos dois blocos de integração regional, a Unasul e o Mercosul.
América Latina
É consenso entre especialistas brasileiros e argentinos consultados pelo Opera Mundi que a relação bilateral entre as duas maiores economias da região possam gerar mudanças positivas nos países latino-americanos. O especialista argentino em integração econômica, Félix Peña, acredita que o apoio de Dilma ao desenvolvimento da aliança estratégica entre os dois países terá “claras implicações positivas, tanto no plano econômico como no político”.
Segundo Peña, é razoável prever uma relação argentino-brasileira cada vez mais intensa, dado que o desenvolvimento isolado de alguma das partes é improvável: “O mundo de hoje não é apto para solitários. O trabalho conjunto entre a Argentina e o Brasil, tanto em escala regional como global, só pode produzir benefícios”, acredita.
Na entrevista, Dilma comentou sobre a importância da formação de blocos regionais em contexto de globalização. “É um mundo globalizado. Deixou de ser basicamente um mundo com um ou dois pólos no máximo. É um mundo mais multilateral, e exige a formação de blocos regionais. Essa é a razão pela qual, para mim, a relação com a Argentina é especial, estratégica”, afirmou.
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O argentino confirma as expectativas de que a aliança colabore com a projeção das economias locais em outros continentes. “O cenário internacional global de longo prazo abre enormes possibilidades para a ação conjunta dos países e dos sócios do Mercosul. Um dos potenciais é aumentar significativamente, nos próximos anos, a penetração em terceiros mercados com produtos alimentícios diferenciados, que incorporem progresso técnico, tanto no processo produtivo como no da chegada às gôndolas do mundo”, afirma.
Hegemonia Brasileira?
Alguns países vizinhos recebem com cautela a expansão brasileira na região. A presidente fez questão de ressaltar que não há intenção de os dois maiores países do Cone Sul atuarem de forma hegemônica na região. “Não é uma relação de hegemonia a que o Brasil e a Argentina se propõem em relação ao resto da América Latina. Podemos liderar devido ao nosso tamanho e o nível de desenvolvimento econômico”, enfatizou.
Na opinião de Raúl Ochoa, subsecretário argentino de Comércio Exterior no início da década de 1990, durante a gestão de Carlos Menem, o peso do Brasil na região não é excessivo. “O que falta, em minha opinião, é uma estratégia de posicionamento que nivele, através da definição de certos objetivos, uma postura mais ativa em relação ao resto dos países. Existe um desequilíbrio devido à ausência de contrapeso e, neste aspecto, a Argentina deveria tomar as rédeas”, afirma.
De acordo com Peña, o “ganha-ganha” nas relações comerciais é uma regra fundamental para a cooperação e integração entre os países da região. “A inserção do Brasil nos mercados locais será mais intensa à medida que as redes de encadeamento produtivo sejam percebidas por todos como de ganhos mútuos. Os caminhos das relações com parceiros não podem ser de mão única, independentemente de suas dimensões e de seus níveis relativos de desenvolvimento”, garante.
Mesmo que não tenha o impacto da atuação de grandes potências no continente, a atuação brasileira pode ser avaliada como uma forma de subimperialismo, segundo Igor Fuser, professor e jornalista doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo. “Suas relações com os vizinhos se dão nos marcos do mais absoluto respeito à soberania dos demais países. Mas quando se pensa em imperialismo como dominação econômica, é possível, sim, detectar tendências imperialistas no processo de expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul”, afirma.
De acordo com o professor, seria possível perceber a atuação subimperialista na “voracidade” com que multinacionais brasileiras conquistam mercados de países vizinhos, além da forma desigual das relações de interdependência energética com o Paraguai e a Bolívia.
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“De qualquer maneira, quando se fala da expansão regional do capitalismo brasileiro, refere-se a um imperialismo incipiente e subalterno. O verdadeiro problema da dominação imperialista na América do Sul tem a ver com a inserção da região dentro de uma ordem mundial dominada pelos Estados Unidos, em aliança com a União Europeia e o Japão”, pondera.
Para Dante Sica, economista argentino especializado em setores industriais, o Brasil apenas está tentando defender e reocupar seu lugar como líder regional. “Na última etapa de Lula, o Brasil começou a se dar conta que ser líder implica também em obrigações, como dar ajuda, pagar, investir em outros países”, disse, referindo-se aos custos da liderança brasileira no subcontinente.
Posições coordenadas
Nos dois mandatos do governo Lula, o Brasil fez diversos esforços diplomáticos para aumentar sua projeção internacional. Desenvolveu alianças, como o Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (Fórum IBAS); o G-20 comercial, grupo de países em desenvolvimento que buscam a liberalização do mercado de produtos agrícolas em países desenvolvidos, no âmbito da Rodada Doha, na OMC (Organização Mundial de Comércio); o G-4, formado por Japão, Alemanha, Índia e Brasil, cujo objetivo é ampliar o número de assentos permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
No discurso na cerimônia de transmissão de cargo, o Ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, ressaltou o interesse da atual administração de dar continuidade ao aumento da projeção internacional do país, “adquirimos uma autoridade natural para nos engajarmos em todos os grandes debates e processos decisórios da agenda internacional – políticos, econômicos, comerciais, ambientais, sociais, culturais”, afirmou.
Ochoa ressalta, no entanto, que as posturas da Argentina e do Brasil no G-20 financeiro, não são coincidentes. “Os dois países não se consultam antes das reuniões e um erro grave de ambos é nem fazer o mesmo com os sócios plenos e os sócios do Mercosul, para levar posturas comuns ou as inquietudes dos mesmos. Isso demonstra que, mais além da retórica nos fatos concretos, o eixo argentino-brasileiro ainda tem um longo caminho a percorrer”, pontua.
Para Sica, a Argentina precisa ter mais claros seus alinhamentos de política exterior e aproveitar a projeção brasileira, para que parte dessa força seja aproveitada pelo país platino. “Mais que pegar carona, [a Argentina] tem que ter uma estratégia muito mais clara para os próximos 20 anos. Na Argentina, é mais uma questão de problemas internos do que de pegar carona no fio da pipa do Brasil. Tem que definir qual vai ser o seu voo nesta matéria, estabelecendo prioridades, e se as tem, que sejam muito mais claras quanto ao rumo que está tomando”, avalia o especialista.
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