Chamado de “quartel dos esquálidos” – nome dado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, aos opositores –, os habitantes do bairro de Altamira têm orgulho em serem conhecidos como fortes opositores do chavismo em Caracas. Atualmente, esperam que a oposição contrabalanceie o predomínio de deputados do governo na Assembleia Nacional, votando nas eleições parlamentares, domingo (26/8). Em 2005, alegando falhas no processo eleitoral, os partidos da oposição boicotaram as eleições, deixando caminho livre para o governo conquistar 140 das 165 cadeiras.
Localizado a leste da capital, Altamira é um bairro de classe média alta, com luxuosos prédios residenciais e lojas de marcas famosas. Foi lá que em dezembro de 2007, logo após o referendo que propunha a reforma da Constituição ser rejeitado pela maioria dos votantes, se concentrou a comemoração oposicionista. O principal ponto de encontro é a Praça França, local de confrontos entre oposicionistas e chavistas no passado. Nos cartazes de propaganda eleitoral espalhados pelas ruas, há a predominância absoluta de candidatos da Mesa da Unidade Democrática (MUD), coligação que reúne mais de 20 partidos.
Marina Terra
Prédios comerciais e apartamentos em rua de Altamira
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Uma das mais famosas é Maria Corina Machado, cuja campanha se ampara no slogan “Somos maioria”, similar ao do governo, que é “Somos maioria, somos alegria”. Marina Corina dirigia a organização não governamental Sumate, suspeita de ser financiada por agências do governo dos Estados Unidos. A venezuelana é apontada como uma das possíveis candidatas da oposição às eleições presidenciais de 2012.
“A oposição se equivocou em não concorrer nas eleições em 2005. Espero que agora vençam o máximo de cadeiras possível na Assembleia, odeio Chávez”, afirmou ao Opera Mundi Nadel Armas, técnico em fotografia e morador de Altamira, enquanto comprava dois bolos para o aniversário da filha em uma padaria. Perguntando qual partido iria escolher, demorou alguns segundos e respondeu reticente: “Acho que no Primeiro Justiça. Votei neles na última vez. Mas não importa, contanto que tirem o presidente do poder.”
Criado em 2000, o Primeiro Justiça é identificado pela cor amarela e foi um dos partidos que participou de forma ativa do golpe de Estado de 2002 contra Chávez. Posteriormente, com a volta do presidente ao poder, os líderes do partido concentraram esforços na paralisação do setor petroleiro, que durou de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003 e exigia um plebiscito sobre a permanência de Chávez no poder.
Maria Lomé, funcionária de uma empresa de telefonia, disse que todos os que se opõem a Chávez se encaminharão às urnas domingo para votar: “Quero uma Assembleia equilibrada. Desde a chegada de Chávez tudo piorou, mas principalmente a violência, sem falar que o investimento em infraestrutura despencou”. Para a caraquenha, que ainda não tem candidato, o presidente “engana o mundo” ao dizer que ajuda os mais necessitados. “É tudo mentira, ele é um excelente manipulador”, afirmou.
De acordo com o jovem Aléxis Mujica, dono de uma consultora de imóveis, a oposição deveria ganhar “todos os assentos” na Assembleia Nacional, e “fazer como os chavistas, que dominam tudo”. Ainda sem opção de candidato, Mujica acredita que os 11 anos de governo Chávez somente pioraram a Venezuela: “Mesmo com todo o dinheiro que existe, as coisas continuam ruins. É preciso mudar”, afirmou.
O sentimento comum entre eleitores da oposição entrevistados é o de que a vida piorou desde a eleição do presidente. “Economicamente, mudou muito, não temos mais tanto poder aquisitivo como antes de Chávez. Sem falar na educação, que decaiu demais e na quantidade de lixo nas ruas”, reclamou Andrés Sandoval, técnico em eletricidade. Segundo ele, os pobres não obtiveram uma melhora na qualidade de vida: “Graças a Deus não vivo nos morros, lá sim as coisas estão ruins.”
Veja a entrevista de Mujica ao Opera Mundi:
De acordo com o analista político Edgard Lander, da UCV (Universidade Central da Venezuela), o perfil do eleitor da oposição mudou com o passar dos anos, apesar de manter-se profundamente conectado às classes sociais abastadas. “Anteriormente, os partidos de oposição tinham uma mensagem contraditória: convocavam a população para votar, mas ao mesmo tempo, diziam que haveria fraude, manipulação”, explicou ao Opera Mundi. Nessas eleições, continuou Lander, “a oposição está confiante que terá muitos votos e faz uma campanha pelo comparecimento às urnas. Deve haver uma participação alta.”
Estranho no ninho
Instalada na esquina oposta a uma padaria, fica a banca de jornal de Pedro Contreras, um senhor de idade que passa os dias vendendo revistas e exemplares dos conservadores El Universal e El Nacional aos fregueses de Altamira. Com um olhar doce, de dentro da banca ele sorri ao ser apresentado: “De Brasil? Mucho gusto”.
Pedro seria mais um se não fosse fiel defensor das políticas do presidente Hugo Chávez, talvez um dos únicos em Altamira. O jornaleiro é símbolo da polarização política que existe na Venezuela.
“Acredito que vamos ganhar a maioria dos votos, mas esse ano está difícil com a oposição”, opinou o venezuelano, aos sussurros, em referência às eleições parlamentares. Pedro costuma colocar encartes improvisados de textos sobre a revolução bolivariana ou temas sociais dentro dos jornais dos clientes. Mas, obviamente, não dos comprados pelos “esquálidos”. Tudo com muita discrição.
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