A segunda e terça-feira de carnaval voltarão a ser dias de festa na Argentina em 2011, após sua suspensão imposta pela ditadura militar do país, em 1976. Um decreto aprovado no início de novembro pela presidente Cristina Kirchner restituiu os dias de recesso durante a festa do Rei Momo e ampliou a quantidade de feriados do ano argentino, visando fomentar a atividade turística no país.
Com a medida, a Argentina terá 15 feriados em 2011 e passará a ter a mesma quantidade de dias de descanso que seus vizinhos, Brasil e Chile. Além do carnaval, as demais datas que a partir deste mês vigoram como feriados são a comemoração da Soberania Nacional, no dia 20 de novembro, e dois dias que serão determinados a cada ano, sempre próximos a fins de semana.
Segundo o Instituto Nacional de Promoção Turística da Argentina (Inprotur), os novos feriados, em especial o do carnaval, incidirão, principalmente, no deslocamento de argentinos para outras regiões do país. “Acreditamos que o turismo interno será beneficiado em todos os aspectos, principalmente o das cidades que celebram a data”, confirmaram fontes do instituto ao Opera Mundi.
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Representantes das associações de agências de viagem, hotelaria gastronômica e secretários de Turismo de distintas províncias argentinas comemoraram a decisão. “O setor público e privado do turismo expressou à presidente o agradecimento pelo ordenamento dos feriados. Esperamos chegar, ainda este ano, a cinco milhões de turistas, com ingressos de cinco bilhões de dólares pelos gastos dos visitantes no país”, afirmou o ministro de Turismo, Enrique Meyer, em uma entrevista coletiva após o anúncio do decreto.
O Brasil é o país de origem de quase metade dos turistas que chegam aos aeroportos de Buenos Aires, de acordo com estatísticas levantadas pela Pesquisa de Turismo Internacional (ETI). Somente em setembro deste ano, 40% dos visitantes eram brasileiros, seguidos por 20,6% dos demais países latino-americanos, 17,35% da Europa e 7,8% dos Eua e dos Canadá.
“Com o fenômeno da nova classe no Brasil, é razoável prever um aumento destes turistas na Argentina, já que somos o destino próximo mais diversificado em relação ao clima e propostas para o público”, explicou uma fonte do Inprotur. A previsão, no entanto, é que o aumento dos feriados não tenha grande influência na quantidade de visitantes brasileiros nesta época do ano: “O Brasil já têm feriados prolongados nesta data, então o movimento turístico com mais influência deve ser dos próprios argentinos”, afirmou.
Festa proibida
O feriado de carnaval foi eliminado do calendário argentino em 1976, por meio de um decreto da junta militar que governava o país. “A medida foi tomada porque os militares não queriam gente nas ruas e a festa de carnaval de Buenos Aires sempre teve um caráter de crítica às autoridades”, afirma Elsa Calvo, coordenadora do Programa Carnaval Portenho.
Calvo se refere às murgas, expressão artística mais característica do carnaval da capital do país, que apesar da proibição do feriado, conseguiu manter viva sua tradição nestes 34 anos, principalmente no interior da província de Buenos Aires. “A murga tem origem principalmente nas bases peronistas da sociedade. Em sua estrutura, algumas das canções mais importantes são as de crítica picaresca, com teor político”, explica.
Com o abrandamento da ditadura, no período da transição democrática do país durante a década de 80, setores populares de Buenos Aires começaram a se reorganizar e convocar a sociedade para voltar a festejar. Mas foi a meados da década de 90 que as organizações murgueiras passaram a sair às ruas, toda terça-feira de carnaval, reivindicando a volta dos dias de festa ao calendário, em manifestações que ficaram conhecidas como “marchas carnavalescas”.
A coordenadora afirma, no entanto, não saber se o carnaval do ano que vem incluirá apresentação das murgas nos bairros de Buenos Aires durante a segunda e terça-feira de carnaval, além das apresentações realizadas tradicionalmente durante as noites de todos os sábados e domingos do mês de fevereiro.
Carnaval portenho
Declarada como Patrimônio Cultural da cidade de Buenos Aires em 2007, a murga é um gênero carnavalesco de música, dança e representação. Seu ritmo tem uma cadência mais vagarosa que a do samba, marcado pelas batidas de bombos e pratos. Os murgueros entoam canções conhecidas como “críticas”, em que ridicularizam autoridades, personagens públicos e acontecimentos recentes, e seguem uma coreografia que parece, à primeira vista, bastante desengonçada. “É uma dança difícil, com muito jogo de braços e pernas, com um estilo livre e selvagem”, explica Calvo.
Assim como no Brasil, a folia argentina conta com fantasias enfeitadas com lantejoulas e muito brilho. A mais típica e chamativa delas é a levita, uma espécie de fraque colorido usado por homens e mulheres, geralmente com o nome, escudo e cores do grupo de cada bairro. O resto da fantasia fica por conta de acessórios como luvas, bastões, laços, gravatas e cartolas.
Pesquisadora de gêneros artísticos populares da cidade de Buenos Aires para o Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet), a antropóloga Analía Canale, professora de folclore geral na Universidade de Buenos Aires, afirma que uma das hipóteses mais aceitas para a origem da murga remete à chegada de escravos africanos à região do Rio da Prata, principalmente a Buenos Aires e Montevidéu.
“Há muita influência de africana no ritmo e no tipo de baile. As roupas coloridas e cheias de brilho seriam a parte de dentro do fraque que os amos davam aos escravos, que o usavam do avesso, aproveitando a cintilância do cetim. A murga tem influências do ritmo africano candombe, mas houve uma separação definida entre os dois”, afirma. “Muitas coisas vêm da época colonial e se consolidam nas formas que conhecemos as murgas do século XX”, explica.
Segundo a pesquisadora, as diferenças entre as murgas uruguaias e argentinas também são grandes. Enquanto o espetáculo de Montevidéu se restringe mais a apresentações em palcos, a de Buenos Aires é estruturada com igual importância entre canções e danças.
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