Embora tenha uma das constituições mais progressistas da região, o Parlamento da Tunísia aprovou nesta quinta-feira (23/07) três artigos que preveem execuções para condenados por crimes terroristas. Com a pena de morte já legalizada há anos no país, a nova legislação “antiterrorista” vem após dois atentados ocorrerem em um intervalo de três meses, deixando ao menos 60 mortos.
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No texto, o artigo 26 sustenta que “é punível com a morte aquele que cometer assassinato contra qualquer pessoa que se beneficie de uma proteção internacional”, informou a AFP. Já o artigo 27 impõe a mesma sanção para a tomada de reféns ou sequestro mortal, ao passo que o artigo 28 executa “aquele que deliberadamente cometer como parte de um crime de terrorismo um crime de estupro”.
A decisão do Legislativo recebeu críticas de ONGs de direitos humanos, como Anistia Internacional, Human Rights Watch e Avocats Sans Frontières. Em carta conjunta com outras seis organizações, ativistas destacam que as definições de terrorismo do texto são muito vagas segundo o direito penal. Eles reforçam a necessidade de uma melhor precisão do termo e dessa modalidade de crime, já que qualquer infração poderá ser passível de uma interpretação que favoreça execuções.
“Nossas organizações não têm como intuito minimizar a necessidade de uma resposta forte em termos de segurança e de repressão a atos terroristas (…). Contudo, um discurso e políticas públicas que visam a se opor à segurança e ao respeito dos direitos humanos são inadequados para atender ao objetivo de proteção aos cidadãos”, dizem os defensores em um comunicado enviado ao parlamento em 7 de julho.
Amine Ghrabi/Flickr/CC
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Além disso, os opositores da pena capital questionaram o caráter não dissuasivo para os “terroristas que procuram morrer para ir para o paraíso”, constatou Sana Mersni, deputado do partido islâmico Ennahda, segundo a agência de notícias francesa.
Atentados e ‘nova’ Constituição
Neste ano, houve dois atentados na Tunísia que foram reivindicados por militantes do EI (Estado Islâmico) e que deixaram dezenas de turistas estrangeiros mortos, sufocando um dos principais setores da economia do país africano.
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Em 18 de março, ao menos 23 pessoas morreram em um atentado que aconteceu durante a manhã, depois que dois homens armados saíram de uma mesquita localizada entre o parlamento e o Museu do Bardo, na capital, Túnis, de onde dispararam na direção de um ônibus com turistas. O ato foi descrito pelo EI como uma “abençoada invasão”.
A nação foi alvo de um novo ataque em 26 de junho, quando atiradores mataram 37 pessoas que estavam hospedadas em dois hotéis situados em um balneário turístico em Sousse, às margens do Mar Mediterrâneo. Naquele dia, houve ao menos outros três atentados na França, Somália e no Kuait.
No ano passado, a Assembleia Constituinte da Tunísia aprovou a nova Constituição do país, uma das mais progressistas da região. Além de garantir direitos iguais entre homens e mulheres — fato inédito no mundo árabe — o texto reduziu o papel do islã no país como uma fonte da legislação, embora seja reconhecido como religião oficial do Estado.
Carlos Latuff/ Opera Mundi
Apesar de manter a pena de morte, a Constituição de 2014 representou uma vitória da democracia na Tunísia. Mesmo em meio aos atentados, o país ainda é o mais estável da região no cenário pós-levante de 2011 se comparado aos vizinhos Líbia, Egito e Iêmen, cujos governos permanecem frágeis e cuja população é alvo constante de ataques terroristas.
Desde a sua independência da França em 1956, a Tunísia realizou 135 execuções, das quais, 129 sob o reinado de Habib Bourguiba (1959-1987). A nova legislação antiterrorismo substituirá uma lei de 2003 contra o terrorismo, aprovada sob a ditadura de Zine El Abidine Ben Ali (1989-2011), deposto em meio à Primavera Árabe.