O ministro de Relações Exteriores da Argentina, Héctor Timerman, afirmou na noite desta quinta-feira (28/10), que a presidente Cristina Kirchner será candidata para as eleições presidenciais do país em 2011. A declaração foi dada para a rede de televisão CNN durante o velório do ex-presidente Néstor Kirchner, vítima de uma parada cardiorrespiratória na manhã de quarta-feira (27/10).
“Cristina vai ser candidata dos argentinos e a ganhadora das eleições, não tenho nenhuma dúvida”, anunciou o chanceler, segundo a agência de notícias Télam. “Nós dizíamos que poderia ser ele ou ela, agora com certeza será ela”, afirmou. Quando questionado, no entanto, sobre a confirmação da afirmação, o diplomata recuou: “Não está decidido, porque é uma coisa que ela é quem tem que decidir, mas sabe que tem o meu apoio”, disse.
Efe
O apoio demonstrado à Cristina é visto como termômetro pelo peronismo para as próximas eleições, em 2011
As declarações do chanceler retratam as incertezas sobre o futuro panorama político argentino após a morte de Néstor Kirchner, assim como as expectativas em relação a como se organizará o cenário para as eleições presidenciais de 2011. Se há alguns meses a conjuntura política do país gerava dúvidas sobre qual cônjuge do casal presidencial tentaria se eleger como próximo presidente e como os partidos opositores se articulariam para combatê-lo, o recente acontecimento traz novos questionamentos.
Os principais deles remetem aos desafios que a presidente enfrentará para dar continuidade ao seu mandato sem o apoio do marido e às incertezas em relação à organização da coalizão Frente para a Vitória para a campanha eleitoral do ano que vem. “Ainda é muito cedo para fazer avaliações, pois não sabemos como Cristina pode reagir na ausência de seu marido e principal sustento político”, afirmou ao Opera Mundi o analista Marcelo Leiras, diretor das licenciaturas em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de San Andrés.
Há pouco mais de um mês, Leiras considerava que Kirchner emitia sinais de que queria voltar à Casa Rosada e que provavelmente seria o candidato pelo kirchnerismo em 2011. Para ele, hoje é precoce tentar prever como se comporá o cenário eleitoral a partir de agora. “A formação dos quadros políticos dependerá de como a reação popular diante da morte de Kirchner vai afetar a imagem do governo e o ânimo de Cristina”, explicou.
O pesquisador de sociologia histórica da política argentina pelo Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet), Nicolás Damin, acredita que a morte do ex-presidente terá um papel importante no futuro desenho da opinião pública: “Os argentinos têm uma forma muito particular de lidar com seus líderes mortos, como aconteceu com o general Juan Domingo Perón e com Raúl Alfonsín. A figura de Néstor vai somar muito neste aspecto e os níveis de aceitação do governo vão crescer fortemente”, disse.
Segundo o sociólogo, a massiva presença de pessoas na Casa Rosada para se despedir do ex-presidente no dia de sua morte e no velório pode ser avaliada, no interior do peronismo, “como uma clara opção dos cidadãos argentinos pelo kirchnerismo”.
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Perda do líder
O diretor do Centro de Investigações Políticas (Cipol), Marcos Novaro, no entanto, apesar de acreditar que as tendências não se evidenciarão em curto prazo, acredita que o kirchnerismo passará por uma renovação. Para ele, com a morte de Kirchner, o governo sofrerá com a falta de seu principal “armador”. “O kirchnerismo perdeu a pessoa que se encarregava de mobilizar e disciplinar a base política de prefeitos, governadores e sindicalistas que o apóiam. Este líder era Néstor, que é insubstituível”, afirmou.
A opinião de Novaro sobre o protagonismo de Kirchner na atuação de Cristina coincide com a de outros analistas. “O kirchnerismo é uma força política potente, mas muito heterogênea. A atividade política intensa de Néstor mantinha esta coalizão em movimento e na ofensiva”, explicou Leiras. “A morte do ex-presidente complica a gestão política do dia a dia devido à grande quantidade de decisões que recaíam sobre ele, por ser chefe do Partido Justicialista e referência máxima dos grupos que o acompanham e que, às vezes, têm conflitos entre si”, disse Damin.
Como consequência, uma das possibilidades vislumbradas pelo diretor do Cipol é o surgimento de um pós-kirchnerismo e que a grande questão que emerge é quem seria o candidato com força para representá-lo. Segundo ele, os agrupamentos dentro do Partido Justicialista que ultrapassavam o Peronismo Federal – cujos integrantes são conhecidos como peronistas dissidentes, com tendências direitistas – já tinham começado a desenhar um projeto de sucessão do governo Kirchner, encarnado, principalmente, em Daniel Scioli, atual governador da província de Buenos Aires.
Efe
As largas filas para velar o corpo de Kirchner continuaram por toda a noite e na manhã desta sexta-feira
Candidato iminente
Deputado da cidade de Buenos Aires entre 1997 e 2002 e secretário de Turismo e de Esportes durante o governo interino de Eduardo Duhalde (2002-2003), o político também traz em seu currículo a vice-presidência da Argentina durante a administração de Néstor Kirchner (2003-2007). Com a morte do ex-presidente, o político assumirá a liderança do Partido Justicialista, segundo confirmou ontem o deputado Jorge Landau à agência Télam.
“Scioli é um dos mais bem posicionados para suceder o kirchnerismo. Acho que Cristina tem poucas chances, ela nunca foi armadora da coalizão, nem sequer foi chefe de governo, estava como uma presidente substituta. Para os funcionários do governo e os sindicalistas, a liderança sempre foi Néstor. Cristina leva o peso do sobrenome, mas este não é aceito pelos dissidentes, enquanto o de Scioli sim”, afirmou Novaro, que acredita que a candidatura da presidente implica uma divisão no peronismo: “Tenho a impressão de que os prefeitos e governadores hoje têm menos necessidade de correr o risco de apoiar Cristina do que quando Néstor estava vivo.”
O pesquisador Gabriel Puricelli, um dos coordenadores do Laboratório de Políticas Públicas em Buenos Aires, corrobora que Néstor Kirchner faleceu em um momento em que Scioli emergia como concorrente à candidatura presidencial. “Sua ideologia e seu estilo são mais parecidos à da ideologia média da base de apoio do governo, mas próxima que a de Cristina e seu esposo, e se ele realmente tem aspirações presidenciais, a ausência de Kirchner do cenário eleitoral lhe favorece muito”, analisou.
Segundo ele, muitos do Peronismo Federal estavam calculando entre buscar outras alianças ou esperar que a campanha dos Kirchner se decantasse e que candidatura do governador viesse à tona. “Mas Cristina ganhará crescente apoio da opinião pública e os passos de Scioli deverão ser discretos”, completou.
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Chances para a oposição
Uma das derivações de um peronismo dividido seria o aumento da força dos partidos de oposição, que até a morte do ex-presidente não tinham mostrado capacidade de formar alianças para enfrentar o kirchnerismo. “Se o peronismo não conseguir mostrar indícios de resolver suas eleições internas agora, com a ausência de Néstor, abrirá a única possibilidade de que a oposição dispersa e fraturada seja favorecida”, afirmou Novaro.
Maurício Macri, segundo ele, é um dos nomes fortes para competir com um peronismo desunido. Prefeito da cidade de Buenos Aires, Macri é líder do partido Proposta Republicana (PRO), com tendência de centro-direita que, apesar de divergências, formou com Felipe Solá, ex-governador da província de Buenos Aires e Francisco De Narváez, do Peronismo Federal, a coligação União–PRO para as eleições legislativas de 2009, e superou os votos da Frente para a Vitória no parlamento.
“Com Cristina candidata, Macri tem mais chances, porque os dissidentes e grupos de interesse vão confluir em sua direção rapidamente. Tudo dependerá do que acontecer dentro do peronismo, se há reconciliação, com Scioli, a dissidência vai desaparecer”, afirmou Novaro.
Consequências
Além de sentirem a perda do ex-presidente, setores argentinos temem pelo fim do atual governo, que teve grande enfoque nos programas de distribuição de renda, inclusão social e Direitos Humanos.
Para Damin, muitos movimentos que dependem da aliança com o governo, como a central sindical CGT (Confederação Geral do Trabalho), que poderiam diluir-se sem uma sucessão kirchnerista. “Os movimentos sociais da periferia representam milhares de pessoas que sabem que seu futuro está ligado às próximas eleições. O caso da CGT não é tão preocupante quanto à obtenção de recursos, mas este aspecto afeta diretamente os movimentos sociais sim”, disse.
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