Mais um bebê nascido em cativeiro e apropriado ilegalmente por outra família durante a última ditadura civil-militar argentina (1976-1983) foi identificado nesta terça-feira (05/04) pelas Avós da Praça de Maio. Trata-se de uma associação que procura os netos de suas integrantes desaparecidos no período. Maria (nome foi dado pela família que a criou) é a 103ª neta a ser recuperada pela associação.
A recém-identificada, hoje com 34 anos, resistiu à realização dos exames de DNA, mas concedeu as amostras após uma determinação da Câmera Federal de Apelações de Rosário. “Assim como outros jovens, [Maria] se negava, não queria saber, tinha medo. Tudo o que é desconhecido provoca rejeição”, afirmou à rede de televisão estatal a presidente da associação das Avós, Estela de Carlotto.
Estima-se que cerca de 500 filhos de desaparecidos tenham sido adotados ilegalmente ou doados a outras famílias durante a ditadura argentina. Muitos jovens identificados pelas Avós, no entanto, resistem à revisão do passado: “O mesmo aconteceu com o neto 102, que também se negou e agora transita por nossa associação como se fosse a sua casa”, garante.
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Segundo um relatório do Banco Nacional de Dados Genéticos, responsável pelo exame de DNA realizado, o material genético de Maria coincide em 99,99% com os do casal Cecilia Beatriz Barral e Ricardo Horacio Clotman, desaparecidos em agosto de 1976.
Ambos eram integrantes do Partido Revolucionário dos Trabalhadores, movimento de resistência à ditadura, e de seu braço armado, o ERP (Exército Revolucionário do Povo). O casal foi preso ilegalmente pelo regime quando Cecília estava no último mês de gestação. Segundo testemunhas, o bebê nasceu em um hospital militar e foi entregue a outra família.
Carlotto atribuiu a restituição da identidade de Maria ao persistente trabalho das organizações de Direitos Humanos do país, e afirmou: “Ela sentirá muito orgulho destes pais, porque eram jovens com uma convicção de luta, mas também estudantes e trabalhadores”.
A Avós esclareceu que a associação tinha apenas a finalidade de “libertá-la da mentira” e “dar muitas respostas a coisas que ela sentia”: “A história que ela viveu no passado não se apagará, é parte de sua vida e ninguém espera que ela mude sua forma de vida, de amizades ou de afetos, porque isso é o que ela é”, explicou.
A imprensa local associou a restituição da identidade da neta 103 com o caso dos filhos adotivos da diretora do jornal Clarín, Ernestina Herrera de Noble. Suspeita-se que Marcela e Felipe Herrera de Noble tenham sido apropriados ilegalmente pela empresária durante a ditadura, mas ambos se recusam a realizar exames de DNA para comparação com as amostras de parentes de desaparecidos, coletados pelo Banco Nacional de Dados Genéticos.
A causa, permeada por idas e voltas e vens, teve início em 2001, quando as Avós da Praça de Maio, puderam comprovar que os documentos da adoção dos irmãos eram falsos. Em março deste ano, a Câmara Federal de Apelações de San Martín determinou que os irmãos tenham amostras de sangue ou de saliva extraídas “com ou sem consentimento” para comprovar se ambos são ou não filhos de desaparecidos.
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