Vestindo apenas seu tradicional jaleco esportivo para protegê-lo das temperaturas abaixo de zero, Evo Morales esteve em Moscou no mês passado, na primeira visita de um presidente boliviano à Rússia. Passou 36 horas na cidade, visitou o túmulo de Lenin, recebeu um diploma honorário da Universidade Estadual de Ciências Sociais da Rússia e obteve a promessa de um investimento de 4,5 bilhões de dólares (aproximadamente 10,5 bilhões de reais) no setor de gás e petróleo de seu país.
A idéia de trazer a Rússia para a indústria de hidrocarbonetos boliviana não é nova. Há anos, La Paz tem falado do Gazprom (consórcio russo de extração de gás natural) como um colaborador desejável, mas os planos nunca haviam se materializado.
Os recursos seriam canalizados através de uma joint venture entre a Gazprom e a petrolífera estatal YPFB (Yacimientos Petroliferos Fiscales Bolivianos), para financiar a exploração de gás, a produção, o transporte e a industrialização. Cerca de 3 bilhões de dólares devem ser disponibilizados num futuro próximo, sendo grande parte para a construção de um sistema de dutos que atravessaria o país.
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Maior fornecedora de gás para o Brasil e país com maior reserva na América do Sul, a Bolívia sofreu forte queda nos investimentos desde a nacionalização do setor, em maio de 2006.
O atual presidente da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos, Carlos Alberto López, aponta que o investimento não tem passado de 150 a 200 milhões de dólares anuais desde 2005. Na verdade, a queda tem ocorrido desde a época em que o setor foi privatizado. O investimento, que chegou a 600 milhões de dólares em 1998, tem declinado desde então, chegando a 149 milhões em 2007. Ainda não há dados confiáveis sobre 2008.
Crítico freqüente da nacionalização, ele acredita que “qualquer indício concreto de uma reativação dos investimentos petrolíferos na Bolívia ainda é difícil de se alcançar”, conforme escreveu no ano passado. O governo argumenta que sempre houve déficit de investimento e produção, desde o período neoliberal.
Mas não há dúvidas de que a situação se agravou ultimamente. No começo de janeiro, o Brasil anunciou uma redução de 30% na sua compra diária de gás, fixada em 30 milhões de metros cúbicos. Morales convenceu Lula a não promulgar a medida, mas é forte na Bolívia o temor de baixa no mercado e queda nos preços.
Corrupção
Além disso, a YPFB foi abalada por escândalos nas últimas semanas. Santos Ramirez, presidente da empresa e aliado de longa data de Evo Morales, foi preso há menos de um mês, acusado de desfalques na empresa. Em seguida, 75 funcionários foram demitidos.
O governo mostra otimismo. O Ministério do Hidrocarboneto projeta para este ano um investimento de 530 milhões de dólares, grande parte proveniente da Rússia. Isso se o acordo se concretizar.
“A chancelaria está cheia de acordos dessa natureza, que nunca são levados a cabo,” diz Gonzalo Chávez, economista da Universidade Católica de La Paz. “Não temos idéia se o investimento irá mesmo acontecer. No momento, o dinheiro encontra-se somente nas manchetes de jornal”.
A oposição tem tentado caracterizar os acordos assinados em Moscou como um gesto meramente político, com cheiro de Guerra Fria. Gonzalo Chávez discorda. Aproximar-se da Rússia, para ele, é um passo sábio em termos comerciais. “Os russos tem vasta experiência nessas questões e essa pode ser uma parceria muito valiosa”.
Sem competição
O presidente russo, Dimitri Medvedev, deixou claro que trata-se apenas de negócios, e não de uma alfinetada nos Estados Unidos.
“Eu disse para meu colega, o presidente Morales, que esta não é uma decisão oportunista. Não é um desejo de competir com ninguém”, disse Medvedev, após reunião de meia hora com o presidente boliviano. “[Este acordo] é uma decisão consciente do nosso país e pensamos que seja benéfico tanto para nós quanto para os demais países da América do Sul, que vêm se desenvolvendo tão rapidamente”.
Veja tabela de investimentos em hidrocarbonetos na Bolívia nos últimos 10 anos.
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