O governo da Bolívia autorizou esta semana, por meio de decreto, a realização de referendos para que os municípios definam se querem se transformar em autonomias indígenas. Os referendos – marcados para 6 de dezembro junto às eleições gerais – são um passo simbólico no processo de garantir maiores direitos e poderes às 36 nações indígenas bolivianas.
Um dos aspectos mais importantes do novo modelo de autonomia é a criação de um poder judiciário local, praticado pelas comunidades. A autonomia também prevê que os povos indígenas elejam autoridades próprias e se rejam segundo seus costumes, tendo o direito inclusive de definir o próprio orçamento.
“[A autonomia indígena] significa a concretização do estado plurinacional em sua estrutura organizativa territorial, significa que os povos indígenas alcançaram um dos principais direitos coletivos pelo que historicamente têm lutado, que é o direito ao auto-governo”, disse o ministro da autonomia, Carlos Romero.
As organizações indígenas também felicitaram a medida. “Outros lutam pela autonomia nós a aplicamos. Não buscamos autonomias para um grupo de pessoas e sim para todos”, declarou à ABI (agência boliviana de informação) o executivo da CSUTCB (Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Campesinos da Bolívia), Isacc Ávalos.
Por outro lado, a oposição boliviana se posicionou contra as autonomias. A prefeitura e o Comitê pró Santa Cruz rechaçaram a intenção de utilizar a autonomia indígena para “segregar ou discriminar”, esclarecendo que os habitantes de Santa Cruz lutaram por uma descentralização departamental que já está contida nos estatutos autonômos.
“Não estamos de acordo com a segregação ou a autodeterminação que sustenta a autonomia indígena, formulada em termos que negam em si mesma a autonomia ao fazer-las depender dos desígnios centralistas”, afirmou o secretário por autonomia da prefeitura, Carlos Dabdoub.
Nesse sentido, assegurou que este tipo de autonomia foi formulada para separar os indígenas de suas províncias ou municípios, conduzindo assim à fragmentação do departamento, excluindo do alcance os benefícios das políticas econômicas da região.
O pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da UFRJ, Daniel Santiago Chaves, explica que embora possam parecer triviais, as autonomias mudam muitas coisas para os indígenas. “O sufrágio na Bolívia em tese é direto, mas é cheio de entraves para a participação popular a nível regional e federal. Com as autonomias, o relacionamento deles com o governo e com o departamento vai se tornar autônomo”.
A prerrogativa de Morales, segundo Chaves, seria recuperar a herança comunitária indígena antes da colonização. “Os espanhóis passaram por cima de uma lógica de institucionalidade política anterior. Na Bolívia, as comunidades tinham uma função muito importante, um império com uma instituição muito sólida. É uma luta para dar poder para o povo de maneira imediata e legalmente respaldada”.
Segundo um censo de 2001 existem 160 municípios (de um total de 327) onde mais de 50% dos habitantes têm um idioma indígena como língua materna. De acordo com informação do jornal boliviano Los Tiempos, todos estes municípios poderiam participar do referendo de 6 de dezembro se seus conselhos apresentarem uma proposta até o dia 24 de agosto.
A cifra se eleva para 187 municípios quando se toma como referência a auto-identificação étnica. Além disso, 149 municípios têm uma TCO (Terra Comunitária de Origem) dentro de suas jurisdição, e as TCOs (terras indígenas que não formam municípios) também podem participar.
Representantes de cinco municípios – Jesús de Machaca (La Paz), Charazani (La Paz), Tarabuco (Chuquisaca), Mojocoya (Chuquisaca) e Chayanta (Potosí) e duas TCOs – San Antonio de Lomerío (Santa Cruz) e Rajaypama (Cochabamba) – já apresentaram suas propostas para transitar para a autonomia indígena, segundo informa o jornal La Razón.
Libertação econômica
Em discurso durante as comemorações, ontem (2), o presidente Evo Morales afirmou que a outra meta de seu governo é que os indígenas se libertem economicamente para que deixem de depender dos grupos de poder que controlam a economia.
“Só quando tivermos o poder econômico como povo teremos de verdade o poder político. Para isso necessitamos maior reflexão, maior consciência e maior orientação para que este processo de mudança não pare”.
Folha de coca
A luta pela descriminalização da coca, outra bandeira de Morales, também toca a questão da libertação econômica. Com a folha legalizada, os pequenos produtores poderiam vendê-la para empresas de medicamentos, indústrias de roupas ou de refrigerantes – e não estariam fadados a vender seu produto apenas para a indústria do narcotráfico. A assistência direta do governo e o apoio internacional seriam fundamentais para ajudar nessa substituição, provendo fundos para que ela se iniciasse.
A ONU (Organização das Nações Unidas) abriu um processo nesta quinta feira (30), em Genebra, para descriminalizar a mascagem da folha de coca, apoiada por uma carta de motivação de Morales, que alegou que esse é um “direito dos povos indígenas”.
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