O governo do presidente Evo Morales anunciou ontem (30) que vai legalizar a coca cultivada pelos camponeses em parte da região do Chapare, principal pólo cocalero da Bolívia, de olho em exportações para países vizinhos. O vice-ministro de Defesa Social, Felipe Cáceres, declarou que a legalização será sobre uma área de 1,6 mil metros quadrados para cada um dos 45,7 mil cocaleiros da região, e de outros 1.000 hectares em outra região. Ao todo, a área cultivada das plantações legais de coca deve crescer dos atuais 12 mil hectares para 20 mil hectares.
Localizada no centro do país, Chapare foi a maior área cocalera da Bolívia, que durante anos resistiu à tentativa de erradicar o cultivo da coca. Legalizar o plantio da folha naquela região é uma antiga promessa eleitoral de Evo, que agora se propõe a cumpri-la. A atividade tem grande importância na economia local: só em Los Yungas, na província de La Paz, há aproximadamente 650 famílias envolvidas na produção cocaleira.
Para o vice-presidente da Bolívia, Alvaro García Linera, trata-se de “legalizar o que já existe”. “Essa coca já estava lá quando chegamos ao governo, em 2006. Trata-se de legalizar e definir uma nova estrutura para limitar a expansão do cultivo da coca. Não é nada novo”, afirmou.
A atual legislação boliviana reconhece como legais 12 mil hectares de cultivo de coca na região de Yungas, onde a planta é cultivada para usos tradicionais e medicinais desde a época dos incas. Mas, segundo dados divulgados em meados deste ano pela ONU, existem no país cerca de 30,5 mil hectares plantados. Em 2004, pressionado pelos sindicalistas mobilizados, o governo concordou em reconhecer o cultivo parcial também na região do Chapare.
Uso tradicional
A “coca legal”, isto é, toda a produção de folhas de coca que não são usadas para a fabricação de entorpecente, é usada na Bolívia com fins rituais, culturais, medicinais e industriais em chás, xaropes e licores. Tradicionalmente, as folhas verdes também são mascadas, até como forma de aliviar os efeitos da altitude, em cidades como La Paz, a 3.600 metros do nível do mar.
A Bolívia é o terceiro maior produtor mundial da folha, da qual, com acréscimo de substâncias químicas, se pode fabricar cocaína. Por isso, durante décadas, assim como o Peru e a Colômbia, o país sofre pressões para erradicar a produção, vindas principalmente dos Estados Unidos.
Um exemplo desta pressão é a presença militar e de segurança. Em Cochabamba, cidade que tinha 100 policiais, hoje há 1,5 mil policiais e 4 mil soldados dedicados a impedir o cultivo da planta, segundo dados do governo boliviano.
Comércio
Exportar coca para o Brasil, Argentina e Paraguai é uma das propostas para a modificação da legislação antidrogas na Bolívia. A alteração na Lei 1008 do regime da coca e substâncias controladas será debatida no próximo parlamento, a Assembleia Legislativa Plurinacional, que assumirá em 6 de janeiro.
Uma pesquisa realizada na Universidade Harvard descobriu que a folha de coca tem três vezes mais cálcio que o leite e é rica em ferro, proteínas e vitaminas. Segundo a socióloga boliviana Silvia Rivera, especialista em questões da coca, a planta pode ajudar na cura de várias doenças. “A osteoporose, o diabetes e outros 18 problemas de saúde seriam tratáveis se pudéssemos ter acesso à folha”, afirmou em entrevista ao Opera Mundi. Apesar das propriedades terapêuticas e importância de sua produção para os países andinos, a coca está na lista de substâncias narcóticas e é frequentemente relacionada ao narcotráfico e à produção de cocaína.
Há muito tempo, a Bolívia tenta explorar o lado salutar da planta, exportando chá de coca e desenvolvendo sua incipiente indústria local que fabrica biscoitos, pães e massas a partir da farinha de coca, em substituição à de trigo. Mas a única maneira legalizada de o país tornar estes produtos disponíveis no mercado mundial é obter a aprovação da ONU. Por isso, em março de 2009, o presidente Evo Morales levou uma folha de coca à reunião da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes da ONU em Viena, solicitando que a planta seja retirada da lista.
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