“Sempre serei boliviano. Nasci em Santa Cruz e este é um fato que não pode e não vai ser mudado. O que importa são as raízes e as minhas raízes estão em uma parte do mundo chamada Bolívia”. Eduardo Rózsa Flores, apontado como o “ideólogo” da suposta célula terrorista desmantelada pelo governo boliviano, que estaria planejando assassinar o presidente Evo Morales, era um nacionalista, apesar de ter passado boa parte da vida fora do país natal.
Morto no dia 16 de abril, na cidade onde nasceu, Flores lutava naquele momento ao lado do romeno Magyarosi Arpak e do irlandês Dwayer Michael Martin, também mortos na operação do governo. Os outros dois integrantes do grupo, o boliviano Mario Tadic Astorga e o húngaro Elod Tóaso, estão sob custódia da polícia. Flores os conheceu ao longo de seu caminho de nômade, iniciado a partir do momento em que deixou a Bolívia, como relatou em entrevista datada de 2006 ao jornal El Deber e republicada após sua morte.
Seu pai, Jorge Rózsa, era húngaro e descendente de judeus. Sua mãe, Nelly Flores Arias, era croata. Sua primeira formação foi alimentada pelo ateísmo do pai marxista e pela religiosidade da família da mãe. “Você pode imaginar o carnaval familiar”, brincou.
Quem Flores também apontou como essencial para sua formação foi o tio, Jorge Flores Arias, um político de personalidade, que ele admirava. “Vivia em Cochabamba, mas quando não exercia cargos em La Paz, ou estava exilado, visitava Santa Cruz”. “Lembro-me que era a época do Governo de Barrientos Ortuño (militar que governou de 1964 a 1969), quando o partido de meu tio estava na ilegalidade. Ele aproveitava as partidas de futebol para conversar com os camaradas. Eram os tempos em que só se ouvia falar do Che”.
Saída da América Latina
Com o golpe de Estado de Hugo Banzer Suárez, sua família foi forçada a se exilar no Chile. A chegada coincidiu com o último ano do governo de Salvador Allende e o subsequente golpe de Augusto Pinochet, em 1973. A ditadura, no entanto, os obrigou a ficar dois meses em um campo de refugiados nos arredores de Santiago. Quando foram embora, seu destino foi a Hungria.
Assim que chegou à Europa, Flores estabeleceu que seu objetivo seria completar os estudos para voltar à América Latina, com experiência militar. “Havia alguma coisa brilhando diante dos meus olhos, foi a figura do Che. Eu queria entrar para a guerrilha e sentia a necessidade de continuar o que eles não tinham sido capazes de fazer”.
Depois de passar alguns anos em uma escola militar na Hungria, Flores foi enviado por um breve período à Academia F. E. Dzerzhinski, na ex-União Soviética. Lá passou por uma mudança de ideologia. “Vivi a minha decepção do socialismo real”, relatou. “Os russos e os camaradas soviéticos estavam envolvidos em contrabando de todos os tipos. Eu percebi que tudo era puro teatro, palavras vazias, que nada significavam para ninguém”.
Correspondente Internacional
Decepcionado, Flores tinha a sensação de estar em um beco sem saída e então, decidiu mudar radicalmente de rumo: ingressou na Faculdade de Letras da Universidade de Budapeste. Ele concluiu os estudos de Literatura Comparada, Lingüística e Ciência Política. Enquanto estudava, começou a trabalhar para a agência de notícias cubana Prensa Latina. “Eu não escolhi o jornalismo. Foram as circunstâncias que me levaram a escolher esta profissão”, disse.
No final dos anos 1980, foi nomeado segundo correspondente na Hungria. Mais tarde, foi enviado para a Albânia, país que lutava pela independência da antiga União Soviética. Simultaneamente, começou a trabalhar para a BBC em Londres, Inglaterra. Esse trabalho o levou para a Croácia em 1991, terra natal da mãe e que ainda era parte da Iugoslávia.
Dedicando-se somente ao jornalismo, cobriu, em agosto de 1991, o primeiro massacre feito pelos sérvios. “Aldeias foram destruídas e queimadas e ninguém moveu um dedo para deter a barbárie desencadeada”, desabafou. Depois, Flores se juntou ao Exército croata e lutou pela libertação do país.
“Tenho orgulho de ter ajudado o povo croata, ainda que apenas com um grão de areia, para que eles obtivessem a liberdade”, refletiu mais de 10 anos após os conflitos. “A Croácia é a minha terceira casa. Sou o padrinho de cerca de 20 crianças e fui testemunha em muitos casamentos. Retornava a Croácia e me sentia indo para casa. É um belo país e seu povo é o melhor deste velho continente”, afirmou.
Quando regressou à Hungria, escreveu sete livros, atuou em três longas metragens e participou da produção de documentários. Foi editor e colunista político de uma renomada revista literária húngara, chamada Kapu.
Em diversas ocasiões, Flores também levou ajuda humanitária para países como a Indonésia, Sudão e Iraque.
Redenção
“Meus pais morreram na Bolívia. Retornaram em 1994. Meu pai morreu em 1997, minha mãe faleceu há um ano. Acho que minha irmã mais nova vive agora na Bolívia. Não tenho nenhuma ligação com a minha família. É culpa minha, reconheço. Eu não posso esperar que alguém entenda e aceite tudo o que tenho feito em toda minha vida. Espero, no entanto, que, embora não seja reconhecido, minha família sinta uma pitada de orgulho de mim. Do que eu fiz, não daquilo que eu sou”.
O dia e o motivo exato do retorno de Flores à Bolívia ainda são incertezas. Mas na entrevista ao El Deber, era possível perceber em sua fala o desejo de regresso, que algo seria feito no país natal. “Estou consciente do que está acontecendo no meu país. A única coisa que eu poderia dizer é que o nosso povo merece viver melhor. Dói fundo ver a minha cidade natal como um barco à deriva. Mas digo: é uma questão que o tempo resolverá”.
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