Em resposta às crescentes denúncias de estupro em universidades nos Estados Unidos, o governador da Califórnia, Jerry Brown, assinou neste domingo (28/09) a lei “sim é sim”. A norma, que será aplicada nas universidades do estado, define que uma relação sexual precisa ter consentimento explícito para não ser encarada como um abuso. O texto também diz que a falta de resistência da vítima “não configura consentimento”. A lei está sendo considerada por ativistas como um avanço ao mudar a concepção do que é violação.
Chase Carter/CC/Flickr/2012
Marcha em Boston contra a cultura do estupro e a favor da igualdade de gênero
Um informe da Casa Branca apresentado em janeiro deste ano revelou que uma em cada cinco estudantes universitárias já sofreu algum tipo de agressão sexual – porém, apenas 12% das vítimas denunciam os agressores. A gravidade da situação fez com que o presidente Barack Obama se pronunciasse sobre a questão diversas vezes nos últimos meses.
Leia também: Contra mortes por abortos inseguros, mulheres latinas pedem descriminalização da prática
O caso mais recente e emblemático é o da estudante de artes visuais da Universidade de Columbia, em Nova York, Emma Sulkowicz, de 21 anos. Ela foi estuprada em 2012 e desde maio de 2014 caminha pelo campus da faculdade carregando o colchão no qual foi violada. A jovem protesta contra a falta de atitude da universidade, que considerou que o colega de Emma não foi culpado pela agressão.
Columbia University doesn't know how to handle rape on campus. #Sulkowicz http://t.co/VIvNjccPdt pic.twitter.com/CsJWti9FCd
— Fay.e (@neandering) 3 setembro 2014
Pioneira
A lei SB-967 é a primeira em vigor nos Estados Unidos com este objetivo e terá aplicação em todas as universidades que recebem algum tipo de financiamento estatal. A regra define que uma pessoa bêbada, drogada ou que está dormindo não pode ter concordado em manter relações sexuais.
O texto diz ainda que a falta de resistência ou objeção não pode ser considerada consentimento. Este pode ser feito de forma verbal mediante um “sim” ou ser indicado de forma não verbal, podendo ser interrompido a qualquer momento.
Leia também: Vídeo mostra assédio sexual às mulheres nas ruas do Cairo
“A existência de uma relação de casal entre duas pessoas envolvidas ou que tenham tido relações sexuais no passado nunca deve ser considerada por si mesmo como um indicador de consentimento”, diz ainda o texto.
A norma, impulsionada pelo senador democrata Kevin de León, também especifica quais deverão ser os procedimentos adotados pelas universidades ao receberem denúncias de abuso sexual, bem como o tipo de serviços médicos e orientações às vítimas. Além de adotar a nova regra, as universidades deverão também orientar os estudantes sobre a diferença entre relações consentidas e assédio sexual.
Opiniões
Os defensores da lei consideram que ela mudará a percepção do que é violação, ao mesmo tempo em que refuta a ideia de que a vítima que deve ter resistido à agressão para que as acusações sejam válidas. O ônus da defesa também passa a ser do agressor e não da vítima como é hoje.
“Eu não tenho palavras para descrever o quão monumental isso é para os sobreviventes de agressão sexual”, declarou a estudante Savannah Badalich, da Universidade da Califórnia, à VICE News.
Chase Carter/CC/Flickr (2012)
Marcha realizada em Boston reuniu centenas de pessoas em 2012
“A definição de consentimento nos livra da atmosfera de silêncio ou vergonha quando você geralmente pergunta o que poderia ter feito para evitar a agressão”, acrescentou Badalich, que foi vítima de um estupro na universidade.
NULL
NULL
Em declarações à emissora BBC, a porta-voz da Coalizão Contra as Agressões Sexuais da Califórnia, Shaina Brown, avaliou que “o conceito de consentimento afirmativo que a lei traz é importante porque faz com que o peso da prova recaia nos acusados e não nas vítimas como acontecia até agora. Com esta lei, nos asseguramos de que as vozes das vítimas serão escutadas”.
Há também quem critique a medida. Em declarações à BBC, Joe Cohn, da Fundação para os Direitos Individuais na Educação, disse temer que “o peso da prova passe ao estudante acusado” por considerar que “isso é injusto e tornará muito difícil que possam provar inocência. Teriam que ter gravado o encontro sexual para demonstrar que houve consentimento todo o tempo”, defendeu.
Cohn também considerou que as denúncias de agressões sexuais não devem ser investigadas por responsáveis das universidades, mas pela Justiça comum.
Políticas públicas
Nos últimos anos, aumentou o número de queixas contra universidades norte-americanas, que são acusadas de falta de imparcialidade na hora de apurar as acusações. Diante da situação, o governo de Barack Obama criou uma equipe de trabalho para estudar a problemática.
No fim de abril, o grupo emitiu uma série de recomendações sobre o manejo das denúncias de violência sexual nos centros universitários do país. O Departamento de Educação dos EUA publicou uma lista com mais de 50 universidades que estão sendo investigadas por possíveis violações de leis federais, como informou a BBC.