Realmente não dá para andar no Distrito 23, que conecta os três municípios mais ricos do Chile: Las Condes, Vitacura e Lo Barnechea. É preciso um bom carro para circular nessas ruas, que são inspiradas no modelo americano de cidades como Los Angeles. E é por essa razão que a propaganda eleitoral se concentra nos cruzamentos.
Todos os rostos que aparecem nos cartazes são vinculados à Aliança pelo Chile, a coligação de direita encabeçada pelo bilionário Sebastián Piñera, que lidera as pesquisas para a sucessão da presidente Michelle Bachelet neste domingo (13). Os candidatos da Concertação, a coligação de centro-esquerda, estão totalmente invisíveis. É neste distrito que a direita costuma registrar seu melhor desempenho: mais de 66% nas últimas eleições legislativas, em 2005. Graças às particularidades do sistema eleitoral binominal chileno, este resultado permite que a direita eleja dois deputados no distrito, caso único no país.
Homenagem
Pela primeira vez, o cenário pode mudar. Entre os cartazes, um dos nomes parece ressurgir do passado: Pinochet. Não se trata do general que liderou o golpe em 1973, impondo uma ditadura de 17 anos, e que morreu em sua cama em dezembro 2006, sem nunca ter sido processado pela justiça chilena. É o neto dele, Rodrigo García Pinochet, 33 anos, candidato independente para um cargo de deputado, com o desejo declarado de ressuscitar a dinastia familiar.
“O legado do meu avô ainda está vivo. Milhares de pessoas vieram prestar a última homenagem quando ele morreu, há três anos. Além disso, a nossa Constituição ainda é a que ele escreveu. Estou lutando para manter vivos seu nome e os valores que pregava”, declarou García Pinochet ao Opera Mundi.
O jovem economista, formado na Universidade de Miami, lembra que era o neto “preferido” do general. Ele o acompanhou durante sua viagem a Londres, em 1998, quando o juiz espanhol Baltazar Garzón mandou prendê-lo na clínica onde estave internado. Estava ao seu lado também na volta para o país, em 2000 quando foi liberado após 503 dias de batalhas jurídicas. “Foi uma viagem muito complicada, com escalas esquisitas, já que a Argentina nos proibiu de passar por seu espaço aéreo”, conta o candidato.
Foto: Lamia Oualalou
Garcia Pinochet em seu escritório
Violações de direitos humanos
García Pinochet provocou uma grande polêmica no mês passado quando apareceu numa propaganda eleitoral na televisão junto à imagem do avô, Augusto Pinochet, e a de sua viúva Lucia Hiriat, ainda viva. Organizações de direitos humanos denunciaram o que perceberam como uma reivindicação da repressão do governo militar. Durante os 17 anos de ditadura, mais de 3 mil pessoas desapareceram e 28 mil foram torturadas.
“Eu nunca conversei com meu avô sobre os desaparecidos. Reconheço que houve violações de direitos humanos, mas era uma época de violência no Chile. Abusos foram cometidos por ambos os lados”, afirma na sede de sua campanha, sentado de baixo de um retrato do general Pinochet. “Minha perspectiva mudou quando uma M-16 foi apontada para minha cara. Era puro terrorismo”, completa, se referindo ao fracassado atentado organizado em 1986 contra Pinochet pela Frente Patriótica Manuel Rodriguez (braço armado do Partido Comunista naquela época) . Garcia Pinochet conta que seu avô o protegeu com seu corpo no carro quando seu comboio foi emboscado, numa viagem de volta para Santiago. Cinco membros da segurança presidencial morreram no ataque.
García Pinochet acusa os dois principais partidos de direita de hipocrisia, por não ter permitido que ele fosse candidato da Aliança pelo Chile. “Eles têm medo de ser associados com meu sobrenome. A maioria deles, porém, trabalhou no governo militar, e apoiava abertamente meu avô”, resmunga. Ele afirma ter recebido um telefonema do senador Pablo Longuera, da UDI (União Democrata Independente), 48 horas antes do prazo para apresentar candidaturas. “Ele queriam me oferecer um cargo importante num eventual governo Piñera. Em troca, teria que retirar minha candidatura”, conta. “Eu sou contra esta politicagem, feita de cálculos mesquinhos, e recusei a proposta”, afirma.
Ironia do destino
Segundo as pesquisas, García Pinochet tem poucas chances de se eleger, apesar do apoio de uma parte importante da população do bairro, sobretudo os mais velhos. No sistema eleitoral chileno, é praticamente impossível que um candidato independente possa ganhar. Não foi o medo de uma possível vitória dele que explica a proposta do senador da UDI. “Ele não vai ser eleito, mas vai tirar votos da direita, o que pode permitir a eleição do candidato de esquerda. Uma verdadeira ironia do destino”, explica o analista político Santiago Escobar.
Para ele, o candidato pode chegar a juntar 20% dos votos. “O pinochetismo faz parte do DNA do país. O Chile sempre teve um traço autoritário, desde a colonização militar espanhola. O general Pinochet soube captar esse espírito”, explica Escobar. Mas ele acha que o neto terá dificuldade para atrair mais eleitores. “Não é ousado o suficiente, e é visto como muito fraco para ser o representante dos valores do governo militar”, acrescenta. Na verdade, os principais eixos da campanha de García Pinochet são a reforma política, a descentralização do Estado e o aumento de incentivos fiscais para as empresas. Temas que dificilmente capturam a imaginação dos apoiadores de Pinochet.
O jovem rejeita esta avaliação. Ele recorda que no ano passado, sua mãe, Lucia Pinochet, foi eleita como vereadora, também como independente. “Todos os amigos pediam para ela não fazer isso, porque ia ser uma grande derrota. Acabou se elegendo!”, lembra satisfeito. Para ele, muitas pessoas não declaram abertamente seu apoio, mas votarão nele, para resgatar a herança do avô. “Estou convencido que ele ficaria muito orgulhoso de me ver como candidato, com o compromisso de trabalhar para o bem da pátria, como ele fez”, conclui.
NULL
NULL
NULL