Os ministros do Supremo Tribunal Federal começam nesta quarta-feira (9) um dos julgamentos mais aguardados do ano. A decisão sobre o pedido de extradição do italiano Cesare Battisti transcende a figura do ex-militante comunista, condenado à prisão perpétua na Itália por quatro homicídios no fim da década de 1970. O caso coloca na berlinda questões que envolvem soberania nacional, relações diplomáticas e separação entre os Poderes.
Preso no Rio de Janeiro em março de 2007 pela Polícia Federal e pela Interpol, Battisti é desde então alvo de um pedido de extradição de seu país de origem. Ele nega envolvimento nos crimes ocorridos enquanto integrava a organização PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), aponta perseguição política e questiona a legalidade do processo que o condenou.
Atendendo a essa argumentação, o ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a ele o status de refugiado político, o que colocou em xeque o processo de extradição. O ministro considerou que Battisti teria “fundado temor de perseguição”, se voltasse à Itália, provocando a ira de autoridades europeias. O caso ganhou contornos de crise diplomática quando o embaixador italiano no Brasil foi chamado de volta pelo presidente da República, Giorgio Napolitano, e ameaçou até mesmo um amistoso entre as seleções de futebol dos dois países.
A controvérsia jurídica reside no fato de o Estatuto do Estrangeiro (Lei 9.474/97) prever expressamente a extinção do pedido de extradição em casos de concessão de refúgio. Nesse caso, Battisti estaria preso indevidamente na Penitenciária da Papuda, em Brasília, desde 13 de janeiro deste ano – data da decisão de Tarso -, como alega a defesa.
O próprio Supremo tem um precedente em que a norma foi aplicada: o caso do padre Olivério Medina, integrante das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). No entanto, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, considerou que esse entendimento não está consolidado, e o processo vai a julgamento hoje com boas chances de uma mudança de jurisprudência.
O principal argumento para tanto é o de que a competência originária para julgar e processar os pedidos de extradição é do próprio Supremo. A norma permitiria, segundo a tese dos advogados da Itália, uma interferência indevida do Executivo sobre a jurisdição do STF.
Por outro lado, os defensores da decisão de Tarso argumentam que a concessão de refúgio ou asilo político é uma questão de Estado e de soberania nacional. Não caberia, portanto, ao Supremo analisar o mérito dos atos discricionários dos membros do Poder Executivo, o que poderia até mesmo ser encarado como subserviência à pressão internacional criada em torno do caso.
Essa questão deve ser suscitada pelo mandado de segurança impetrado pela Itália contra o ato de concessão do refúgio. Enquanto os advogados da Itália argumentam que a medida visa apenas garantir que uma causa externa (o refúgio) não prejudique o andamento de seu pedido de extradição, a defesa de Battisti acusa o governo italiano de falta de legitimidade para questionar decisão política de integrante do governo brasileiro.
Vai e vem
A Itália aponta que Battisti teve acesso à ampla defesa nas três instâncias de seu Judiciário que confirmaram as condenações entre a metade da década de 1980 e o início dos anos 1990. Ele fugiu da prisão e passou vários anos na França, onde sua extradição foi primeiramente rejeitada (no governo de François Mitterrand) e depois concedida e confirmada por todas as instâncias da Justiça francesa (no governo Jacques Chirac), até 2004, e também pela Corte de Direitos Humanos da União Europeia.
Entretanto, o italiano, que hoje é escritor, já havia partido para o Brasil, onde ficou com passaporte falso até ser preso. Ele alega que foi condenado apenas com base na delação premiada de um ex-companheiro de guerrilha e diz que foi julgado à revelia, representado por advogados que falsificaram sua procuração.
E por falar em documentos falsos, esse é um componente que deve colocar ainda mais pimenta no caso, já que Battisti responde a um processo por falsidade ideológica na Justiça Federal do Rio de Janeiro.
Com isso, caso o Supremo defira o pedido de extradição, caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidir se Battisti será entregue imediatamente à Italia – contrariando decisão do ministro da Justiça – ou se ele ficará no Brasil para responder a essa acusação.
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