Eles vivem com menos de um dólar por dia, não têm emprego nem comida e às vezes sequer água ou eletricidade e, no entanto, construíram em seus tetos tecnologia sustentável de primeira qualidade com a única coisa que têm de sobra: o lixo. Os autores dessa iniciativa são os moradores da comunidade de Zabbaleen (“catadores de lixo”, em árabe), que construíram aquecedores solares com materiais recicláveis que proporcionam a eles água limpa e quente.
Efe
Moradora da comunidade de Zabbaleen, no Cairo, passa em meio a sacos de lixo
O autor intelectual – e principal executor – dessa ideia é o cientista norte-americano Thomas Culhane, engajado na criação de cidades sustentáveis, que se mudou para a favela do Cairo há quatro anos para iniciar o projeto. “Preparamos eco-comunidades que possam produzir soluções de água, energia, resíduos sólidos e que as pessoas sintam isso em seus ossos e mãos, que o vivam todos os dias”, afirmou Culhane à agência Efe.
A missão de sua ONG, Solar Cities, se limita a diminuir as despesas em energia e resíduos nas áreas dos lares que mais os produzem – banheiros e cozinhas. A tecnologia é tão simples que até “uma criança de dois anos pode executá-la. Com a ajuda do pai, claro”, ressaltou Culhane, enquanto olha a foto de seu filho com uma chave de fenda na mão.
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As 17 placas solares já instaladas no bairro, construídas com canos de ferro e chapas de alumínio de latas recicladas, aquecem a água que percorre os canos e a enviam a um tanque conectado com mangueiras e válvulas, também extraídas do lixo. Um efeito de sifão faz com que a água quente se acumule no alto do tanque e que a água fria saia por baixo para entrar novamente no coletor solar. “Não é uma tecnologia que veio de mim, mas saiu da própria comunidade. Carpinteiros, encanadores, eletricistas, soldadores e artesãos. Todos cooperaram com ideias”, explicou o físico.
O benefício é que, com um só dia de “bom sol” – coisa que não falta no Cairo ao longo do ano -, uma família pode ter 200 litros de água quente sem gastar um só centavo.
Lixo orgânico
O projeto na comunidade de Zabbaleen, onde vivem cerca de 50 mil pessoas entre montanhas de lixo, não termina por aí, já que em alguns lares também foram construídos sistemas que permitem obter gás a partir da decomposição dos resíduos orgânicos. “O maior problema das cidades é o lixo orgânico”, ressaltou Culhane. No entanto, segundo ele, com esses biodigestores, os resíduos desaparecem, “evitando odores, doenças e ratos”.
Efe
O egípcio Hanna Fathy demontra o funcionamento das placas solares em telhado de Zabbaleen, no Cairo
“É ótimo que as pessoas falem da mudança climática e de controlar seus efeitos, mas com isso nós estamos salvando vidas”, argumentou Culhane, ao dar o exemplo de seu principal colaborador, Hanna Fathy, cuja sobrinha de um ano de idade foi devorada pelos ratos. A casa de Fathy – um egípcio de 27 anos -, localizada na comunidade Zabbaleen, na zona de Manshiyat Nasser, pode ser comparada aos lares sustentáveis dos países mais desenvolvidos.
Com seu sistema de aquecedores solares, a família tem água quente todos os dias. O biodigestor proporciona uma hora de gás ou 45 minutos de eletricidade. Além disso, a família se dá o luxo de ouvir música na rádio.
“Gosto de mostrar às pessoas todos os benefícios que o sol pode nos dar com uma tecnologia barata que eles mesmos podem construir”, afirma Fathy, que vive dos chamados “tours solares”, oferecido pela Solar Cities em seu site.
Para Culhane, o Egito tem “os profissionais, os recursos e a criatividade” para resolver suas principais necessidades. “Só é preciso que comecemos a mudar de mentalidade”.
E ele promove essa mudança de uma maneira mais que original. Com seu violão solar e suas próprias composições, Culhane faz os Zabbaleen cantarem músicas pegajosas: “É hora de mudar o biogás!”.
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