Após mais uma semana sem acordo entre governo e os dirigentes do MSA (Movimento Social de Aysén), a crise na Patagônia Chilena, que já dura 37 dias, parece entrar na sua semana mais conturbada. Neste domingo (18/03), o Tribunal de Garantias de Aysén aceitou o processo no qual o Estado Chileno invoca a Lei de Segurança Nacional contra 22 pessoas que participaram das marchas e manifestações que vêm se realizando na região desde fevereiro.
O ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter, justificou a aplicação da medida citando diversos confrontos entre policiais e manifestantes, que têm se tornado mais frequentes nos últimos dias. “Queremos separar os que praticam a violência dos que querem encontrar soluções. Esta não é uma ação contra a província de Aysén, e sim contra os que estão sabotando o diálogo”, explicou o ministro.
Efe (16/03/2012)
Manifestantes cercam veículo antidistúrbios em chamas na cidade de Puerto Aysén. Crise já dura mais de um mês
A Lei de Segurança Nacional também amplia os poderes da polícia, que poderá interpelar e inclusive deter pessoas sem a necessidade de mandato judicial, quando considere que elas estão atentando contra a ordem pública. Caso os réus sejam condenados, as penas podem variar de dois a cinco anos de prisão, além da perda dos direitos políticos.
Algumas lideranças regionais de Aysén acusaram o governo de estar tentando dividir o movimento através da medida, já que importantes figuras do MSA, entre elas seus dois principais porta-vozes, Iván Fuentes e Misael Ruiz, não formam parte do processo. Um dos processados, o pescador Jorge Corvalán, disse ao Opera Mundi que “o governo tenta nos desestabilizar destruindo essa unidade, que tem sido a nossa maior fortaleza, não podemos cair nesse jogo”.
Ele assegura que muitas das propostas apresentadas pelo governo até o momento ofereciam benefícios a alguns setores e não a outros, o que, segundo ele, também obedeceria à mesma lógica.
Corvalán relata também que foi com sua carteirinha de fiscal eleitoral do partido RN (o mesmo do presidente Sebastián Piñera) à última reunião com os enviados especiais do governo à região, encabeçados pelo ministro de Energia Rodrigo Álvarez, e que a mostrou aos seus interlocutores quando esses acusaram o movimento de estar sendo manipulado por forças de esquerda. “Muitos dos que estão reclamando agora votaram no Piñera em 2009, entre esses 22, além de mim, há pelo menos outros cinco eleitores deste governo, todos desiludidos”, comenta o pescador.
Outra polêmica a respeito dos indiciados foi o fato de figurarem pessoas que não têm nenhuma ligação com a liderança do movimento ou com qualquer outra atividade política regional, como é o caso da dona de casa Carolina Paillaleve. Ela afirmou que sua participação se resume a marchas junto com os vizinhos. “Não sou militante de nada, nem sindicalista, nem emprego eu tenho, só queria defender maior justiça social para a província de Aysén. Estamos sendo tachados de terroristas por andar nas ruas”, reclama.
Além de Corvalán e Paillaleve, os outros 20 processados são Honorino Angulo (também pescador artesanal, principal dirigente do MSA entre os processados), Félix Rivera (vereador da cidade de Laguna Verde, único dos réus que exerce um cargo político), Juan Luis Atton, Sandra Barría, David Barrientos, Gabriela Barrientos, Hugo Jaramillo, Érika Hernández, Fernando Quintanilla, Érico Gatica, Ramón Navarro, Jorge Navarro, Guillermina Cayún, Juan Almonacid, Elisa Cuyul, Lucía Pérez Venegas, Jacqueline Carrasco, Erwin Sandoval, Ingrid Becker e Pedro Vargas Díaz.
Equipe de defesa
No mesmo domingo em que foram processados pelo governo Chileno, os 22 manifestantes receberam o apoio de diversos advogados de diferentes regiões chilenas, que decidiram conformar uma equipe jurídica para defender os acusados. A iniciativa de formar a equipe partiu da advogada Viviana Betancourt, que desde o começo da crise já havia apresentado mais de 40 recursos de amparo em favor de dirigentes locais e de comunidades de pequenos bairros que reclamavam da presença de batalhões de elite da polícia em sua vizinhança.
Betancourt, que foi governadora da província de Aysén entre 2006 e 2010, nomeada pela então presidente Michelle Bachelet (os governadores das províncias, no Chile, não são eleitos, e sim nomeados pelos presidentes), acredita que “a aplicação da Lei de Segurança Nacional reafirma a falta de tato que está tendo o atual governo em negociar uma solução para a região”.
O grupo de defensores públicos que atuará em favor dos 22 processados é formado por 16 pessoas, entre os quais se destacam os advogados Cristián Cruz e Mauricio Daza, ligados às causas de Direitos Humanos, além da jurista Valentina Horvath, cujo pai, o senador pela província de Aysén Antonio Horvath, é um histórico militante do RN, que tem sido criticado, nas últimas semanas, pelos principais líderes da coalizão governista, por suas declarações de apoio ao MAS.
A advogada Betancourt também alega possuir diversos informes de organismos de Direitos Humanos que registram casos de abuso policial na região desde o começo do conflito, além de um relatório escrito pelo bispo de Aysén, Dom Luis Infanti, que também critica a polícia chilena na província, e que foi respaldado pela Conferência Episcopal (entidade ligada à Igreja Católica chilena, similar à CNBB no Brasil). A partir desses documentos, ela pretende entrar ainda essa semana com uma série de liminares em favor dos 22 processados.
Esta é a terceira vez que o governo do presidente Sebastián Piñera, que completou o segundo dos seus quatro anos de mandato na semana passada, utiliza a Lei de Segurança Nacional. Em janeiro de 2011, ela foi aplicada contra dirigentes do Movimento Social de Magallanes, outra província da Patagônia Chilena, que também reclamava por subsídios aos combustíveis e maior autonomia política regional. Em outubro do mesmo ano, o alvo foi o Movimento Estudantil, quando este realizou diversas marchas não autorizadas, em diferentes cidades do país, o que resultou em confrontos com a polícia e distúrbios em várias províncias.
Com esses três processos, Piñera passa a ser o segundo presidente que mais invocou a Lei de Segurança Nacional desde o retorno da democracia no país, em 1990, após a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Desde então, o único presidente que a utilizou mais que o atual mandatário foi o democrata cristão Eduardo Frei Ruiz-Tagle (1994-2000), que a aplicou seis vezes, cinco delas em conflitos relacionados com a causa mapuche. Curiosamente, Ruiz-Tagle foi o candidato derrotado por Piñera no segundo turno das eleições de 2009.
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