Maio de 2014 marcou uma grande mudança na história da UDI (União Democrata Independente, o maior partido da direita chilena), com a posse do seu novo presidente, Ernesto Silva, um advogado de 39 anos. Ele é o primeiro líder da legenda a ter nascido depois do golpe de 1973 e também o único que não ocupou cargos durante o governo de Augusto Pinochet (1973-1990).
Para vencer as primeiras eleições abertas do partido, Silva apostou nesse ineditismo. Uma das suas ações após a vitória, para fazer jus à sua plataforma, foi lançar, em meados de julho, a proposta de reformar a carta de princípios presente no estatuto da UDI, especificamente na parte em que se refere ao golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 e à ditadura que ali se iniciou. “Metade da nova executiva do partido e a maioria dos militantes que a elegeram é formada por pessoas nascidas após o golpe. Não é justo para esta geração ter que carregar os estigmas de uma época da qual não fizemos parte da vida política do país”, reclama Silva.
O plano de Silva era realizar um debate interno sobre essa medida e aprovar um novo texto antes do aniversário do golpe, com o objetivo de passar a imagem de uma UDI renovada. Porém, a iniciativa começou a ser freada quando Jovino Novoa, ex-senador e ex-presidente do partido, resolveu entrar em cena, convocando um comitê político entre a nova executiva e o conselho de ex-presidentes para discutir o tema.
A polêmica se manteve no partido durante todo o mês de agosto, em que se viu diminuir o ímpeto de Silva, o que muitos apontam como reflexo da influência de Novoa, que defendeu “uma renovação olhando para o futuro, mostrando novas propostas para o futuro. Remover o passado não fará nenhum bem para a UDI, como não faz bem ao Chile”. No dia 6 de setembro, a reunião da cúpula terminou sem nenhuma palavra sobre o tema. O silêncio denotou a vitória dos fundadores.
A UDI foi criada em 1983, por Jaime Guzmán, o líder civil do golpe de 1973, após reunir um grupo de oito jovens para serem os guardiães do modelo de país implementado por Pinochet. Durante 31 anos, o partido escolheu seus presidentes em reuniões de cúpula, onde o vencedor sempre era um dos oito fundadores, todos ex-funcionários, ministros ou subsecretários durante a ditadura. Novoa liderou o partido em dois períodos e atualmente preside a Fundação Jaime Guzmán, centro de estudos ligado à legenda.
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O único fundador do partido a apoiar Silva foi Novoa, detalhe que leva o sociólogo Eugenio Guzmán, do ILD (Instituto Liberdade e Desenvolvimento), a não concordar com as avaliações de que o ex-presidente sabote o atual. “Existe uma tensão evidente entre o grupo dos fundadores do partido e as caras novas. Diante disso, Silva mostrou falta de tato. É legítimo que ele queira renovar a carta de princípios, mas existem formas e momentos. Principalmente o momento foi o equivocado”, analisa a Opera Mundi.
As mudanças que não foram
O já descartado novo texto, segundo anunciado pelo porta-voz do partido, Javier Macaya, usaria o termo “ditadura” para definir o período de governo de Augusto Pinochet, substituindo o termo “governo militar”, usado atualmente. Também sobre os acontecimentos do dia 11 de setembro de 1973, a versão rejeitada usaria “golpe de Estado”, no lugar em que o texto vigente fala em “pronunciamento militar”, mas manteria a versão de que o principal responsável pela situação foi o presidente deposto, Salvador Allende, e as medidas econômicas adotadas em seu governo.
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Outro ponto importante do documento seria o reconhecimento às violações dos direitos humanos, ressaltando que as vítimas não foram somente pessoas ligadas a grupos armados opositores.
Finalmente, também haveria referências ao plebiscito de 1988, que levou ao fim do regime, em que se adotaria uma versão parecida à do economista José Piñera (ex-ministro de Pinochet e irmão do ex-presidente Sebastián Piñera): segundo a UDI, o plebiscito seria uma vitória da direita chilena, ao levar a democracia de volta ao país sem um conflito armado – a versão de Piñera falava em vitória do pinochetismo. Essa talvez seja a única mudança que ainda possa ser consumada, segundo o sociólogo Eugênio Guzmán. “Parte dos fundadores é favorável a essa versão, sabendo que algumas pessoas vinculam o partido à ditadura e ignoram que, depois dela, a história do partido foi marcada pelo respeito às normas democráticas”, analisa Guzmán.
Durante a campanha daquele plebiscito, porém, a UDI defendeu a opção “SIM”, que significava mais oito anos de mandato para Augusto Pinochet.