Os debates sobre liberdade de expressão, seus limites e sua relação com o sistema democrático voltaram ao centro do cenário político venezuelano. A discussão ganhou força há poucos dias, quando o presidente Hugo Chávez ameaçou não renovar a concessão do canal televisivo de notícias Globovisión. Ele acusou a emissora, abertamente oposicionista, de ser um “canhão” para a “manipulação” e a “desestabilização” da ordem constitucional.
A partir daí, o Globovisión reformulou seu discurso em duas frentes: na defensiva, contra o fechamento do canal; no ataque, contra as “políticas totalitárias” do governo que “colocam em sério risco a liberdade de expressão, a propriedade privada e a democracia”.
Aproveitando a nova munição na batalha, a oposição venezuelana marchou anteontem (27) pelas ruas de Caracas, lembrando os dois anos da decisão governamental de não renovar a concessão do canal RCTV (foto abaixo). Os manifestantes também pediram o fim das “chibatadas” oficiais contra o Globovisión.
A reportagem esteve na passeata e colheu depoimentos que jogam alguma luz sobre a temperatura do debate no país. Carlos Hernández, cidadão de Caracas, diz que “devemos ser mais agressivos” e descreve cenas imaginárias em que uma multidão invade um restaurante para atacar líderes chavistas. Outra manifestante, Gladys Mendoza, afirma que está ali para “protestar contra esta ditadura”. “É totalitarismo. Aqui, ninguém pode falar contra o governo”.
Polarização política e discurso midiático
Para muitos setores envolvidos no processo de mudanças implantado pelo governo Chávez, o canal Globovisión não atua como um meio de comunicação, mas como um partido político de oposição audiovisual. Lucía León é uma integrante do Grupo de Monitoramento da Mídia que estudou a cobertura do referendo ocorrido em 15 de fevereiro, em que foi aprovada a possibilidade de se candidatar à reeleição ilimitadas vezes. Para ela, o Globovisión “adotou um postura partidária, só cobrindo erros ou limitações governamentais e ajudando a formar uma imagem negativa do governo”.
Por outro lado, Lucía reconhece que a parcialidade não é exclusiva do canal de oposição. “A mídia estatal adota uma postura de tribuna política a favor do governo, mostrando uma realidade nacional na qual tudo é positivo”, afirmou. Dentro do governo, muitos reconhecem que os veículos oficiais são chapa-branca, mas garantem que é uma resposta ao que fazem os meios privados.
Segundo o jornalista e pesquisador colombiano Hernando Calvo Ospina, colaborador permanente do Le Monde Diplomatique, os meios de comunicação são o último reduto da direita na Venezuela, que perdeu espaço no aparato político e não consegue se articular. Na avaliação dele, o Globovisión e outros meios privados estão vinculados a um “poder midiático transnacional”, interessado em “manipular e desestabilizar” o governo Chávez.
Chávez também reagiu às críticas na edição comemorativa de 10 anos do seu programa televisivo Alô, Presidente. Pediu ao povo venezuelano que “não se deixe envenenar pelas mensagens de ódio e violência”, que, segundo ele, são transmitidas pelos meios de comunicação privados. Em seguida, dirigiu-se aos setores de oposição e pediu: “Recuperem a calma e pensem bem se pretendem defender o capitalismo, busquem alguma razão neste sistema e vejam se conseguem encontrar qualquer uma”.
Vargas Llosa e a voz do mercado
Em um fórum com o tema “Liberdade e Democracia”, organizado pela Cedice Venezuela, uma entidade antichavista, o escritor peruano Mario Vargas Llosa defendeu a economia de mercado e questionou o “populismo” de Chávez. “Não queremos que a Venezuela vire uma sociedade totalitária comunista”, declarou.
Vargas Llosa acrescentou que, caso os “ataques à liberdade de imprensa” não sejam revertidos, a Venezuela “será a segunda Cuba do continente”. O público o saudou com gritos e um forte aplauso. O governo ainda não respondeu (abaixo, duas fotos: manifestantes chavistas no local do evento; Vargas Llosa entre os intelectuais Enrique Krauze, de gravata, e Jorge Castañeda).
Ao chegar a Caracas, o escritor foi retido por funcionários da migração. Por causa disso, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado brasileiro decidiu ontem (28) solicitar informações ao Itamaraty. Requerimento nesse sentido foi apresentado pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF).
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Fotos: agência EFE
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