*Simone Bruno é correspondente de Opera Mundi em Bogotá e amigo pessoal do jornalista Rómeo Langlois
A ligação para a rádio foi provavelmente o momento em que me dei conta de que estava vivendo tudo de verdade. Em outros anos, fomos muitas vezes com Rómeo Langlois e outros repórteres à rádio Caracol de noite, enquanto era transmitido o programa Vozes do Sequestro, para gravar as mensagens que Yolanda Pulecio enviava para sua filha, Ingrid Betancourt.
Creio que nunca havia entendido o quão raro é enviar uma mensagem a alguém sem saber se essa pessoa vai ouvi-la, sem saber se ela recebeu as anteriores ou se tem em mãos um rádio. O que era claro é que os guerrilheiros iriam escutar os meios nos quais Rómeo era notícia. Eu não soube como fazer, surgiram apenas algumas poucas palavras inseguras, quase sem sentido, de tal forma que só me restou ficar com o desgosto de saber o que se vive de verdade do outro lado da história.
Simone Bruno/Opera Mundi
Rómeo Langlois embarca em avião militar na base de Larandia, na Colômbia. Ele só seria solto pelas FARC um mês depois
Nós nos conhecemos há muitos anos em uma daquelas festas do centro de Bogotá, no bairro da Candelária. Eu havia acabado de chegar à Colômbia, enquanto ele e sua companheira, Pascale Mariani, moravam no país há um bom tempo. Eles viviam em uma casa velha, que havia sido um convento e, depois, segundo dizem, uma base de tortura do serviço secreto do DAS (Departamento Administrativo de Segurança). Na ocasião, os dois davam a festa e conversavam sobre o conflito, enquanto todos tomávamos rum colombiano, do mesmo jeito que faríamos diversas vezes mais tarde. Mas foi só depois de alguns anos que começamos a trabalhar juntos. Se no princípio as parcerias ocorriam apenas de vez em quando, logo surgiram com maior frequência.
Tudo começou como uma história normal, simples, do tipo que surge em dias raros. Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, havia colocado em discussão o tema “Repensar o Paradigma da Luta contra o Narcotráfico” durante a Cúpula das Américas, em abril deste ano. Então dissemos que esse seria o caso de ver como estava ocorrendo a guerra ao narcotráfico. Não é esse o trabalho dos jornalistas? Dar instrumentos para fazer perguntas? E, desde a Cúpula de Cartagena, haviam surgido muitas perguntas importantes: Esta guerra é conveniente para a Colômbia? O país está vencendo? Quanto custa? Por que, por um problema de consumo na Europa e nos EUA, a guerra está ocorrendo na América Latina? E por que são esses mesmos países os que contabilizam mortos?
Como sempre, enviamos a proposta de pauta aos meios para os quais colaboramos: France24, Le Figaro e Opera Mundi. A história agradou e no final de abril estávamos em um automóvel do exército às quatro da manhã rumo à base de Larandia, no departamento Caquetá. Esta base é o sonho de todo jornalista. De lá saem treinados os agentes federais do DEA (departamento antidrogas norte-americano) e os membros do único batalhão contra o narcotráfico do mundo.
Tudo parece perfeito, mas a guerra colombiana e o clima de Caquetá não respeitam os ânimos jornalísticos. Os dias passavam e as operações se atrasavam. Retorno a Bogotá para algumas aulas na universidade na quinta-feira, 26 de abril. Rómeo decide ficar, pois especula que, se o tempo permitir, haverá uma operação no sábado para destruir laboratórios de coca.
Na sexta-feira pela noite conversamos pela última vez: “Temos que preparar a história do primeiro de maio sobre a ameaça a jornalistas de Cali e no dia 15, entra em vigor o Tratado de Livre Comércio com os EUA”. Nós nos despedimos: “Se cuida”, eu disse. “Te envio um SMS quando voltar”, ele respondeu.
O SMS nunca chegou. Rómeo acabou em um combate de oito horas, no qual viu morrer ao seu lado o sargento Cortéz, encarregado de sua segurança. Ele foi atingido por uma bala de um fuzil Ak-47 em um dos braços e a guerrilha o levou.
“Se estivesse comigo”, contou-me quando o liberaram depois de 33 dias, “um dos dois estaria certamente morto. Havia balas que surgiam de todas as partes, caíam do meu lado levantando a terra. Eles me levaram até uma colina, mas os guerrilheiros atacaram de três lados diferentes. Ficamos presos e ali onde eu estava não havia espaço para duas pessoas. Pensei em ti, meu velho. Você se salvou”.
Suspeita
Mas isto ele não sabia: Quando me inteirei do combate, comecei a ligar para fontes na região que me disseram em quatro “off the records” que o jornalista estrangeiro estava morto.
Chegaram os outros correspondentes. Não há muitos na Colômbia e somos uma comunidade bem unida. Choramos por nosso companheiro morto. Voltei para a base no dia seguinte. No avião estava a família do sargento Cortéz, que precisava reconhecer o corpo. Não pude falar para eles que estive com o oficial por vários dias, que ele era tímido diante das câmeras. Um homem simples, boiadeiro (como chamam aqueles que viveram dezenas de combates).
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Entregaram-me as câmeras do Rómeo, recuperei suas coisas no quarto que dividimos e chegava o momento de enfrentar a imprensa. Era preciso esclarecer que Rómeo é um jornalista imparcial, que não trabalha com o exército, que cobriu o conflito colombiano levando em consideração todos os atores. Outra vez me encontrava do lado oposto da câmera. “É mais fácil fazer perguntas que respondê-las”, disse a mim mesmo nesses primeiros dias.
O 28 de abril foi um dia normal da guerra contra as drogas na Colômbia: bombas, combates, granadas, helicópteros, sangue e mortos. Mas é só quando um jornalista internacional se envolve com esses fatos que o país percebe o que acontece nas zonas rurais, distantes das cidades, onde ocorrem os combates de uma guerra invisível que, justamente por essa razão, dura quase meio século.
“A guerrilha”, conta Rómeo, “me prendeu por um mês e por meio de um comunicado pediu que fosse aberto um debate sobre a liberdade de imprensa. Penso que é macondiano privar de liberdade um jornalista independente para falar justamente de liberdade. Mas é evidente a necessidade de analisar a forma como a imprensa está cobrindo o conflito armado colombiano, porque os grandes meios do país não estão contando o que ocorre nas zonas rurais da Colômbia e é triste que eu tenha que passar por isso para que haja esse debate”.