Cético e crítico, o sociólogo
Eugenio Tironi, não compra a tese de que o governo de Sebastián Piñera
tenha laços de primeiro grau com a ditadura Pinochet. Apesar de ter
feito parte do governo de centro-esquerda de Patricio Aylwin, eleito em
1990, na primeira votação depois do fim da ditadura, Tironi não poupa
críticas aos setores de centro-esquerda. Em Santiago, ele falou com o
Opera Mundi sobre direitos humanos, lições do passado e o que o futuro
guarda para os três anos que restam de Piñera.
Piñera mantém no cargo duas
autoridades que tiveram participação na ditadura militar: o general
Guillermo Castro, no Estado Maior do Exército e o ex-senador Sergio
Romero, atual embaixador do Chile em Madri. Além disso, propõe indultar
violadores dos direitos humanos atualmente presos (link para matéria do
dia 13). Quanto esta nova direita se desconectou da direita que governou o
Chile durante o tempo de Pinochet?
Não penso que estes sejam exemplos suficientes de uma conexão grave.
O general Castro teve respaldo de governos da Concertação também
(coligação de esquerda que governou o Chile de 1990 a 2010). Romero, que
está em Madri, foi presidente do Senado. Não seria possível dizer que
ele não pode ter uma carreira política a essa altura. A questão do
indulto também é complexa porque os governos da Concertação sempre
tiveram vontade de fazê-lo. O Chile tem um problema grave de
superlotação carcerária. Se o governo anterior (da socialista Michelle
Bachelet) não indultou os presos foi apenas por pressão dos grupos de
familiares de detidos e desaparecidos.
Em que este primeiro governo de direita depois da redemocratização é diferente dos governos de centro-esquerda da Concertação?
Não é diferente em muitas coisas. Os partos demoram nove meses, seja
em hospitais públicos ou clínicas privadas. Há coisas contra as quais
não se pode lutar. Há mudanças que não podem ser aceleradas. Por suas
origens, a Concertação vivia uma crise entre a lógica da
responsabilidade e a lógica da convicção. A direita não vive atormentada
por esses dramas. E se essa direita é semelhante nos aspectos
governamentais ao que vinha fazendo o setor de centro-esquerda chileno,
isso deve ser visto mais como um mérito de Piñera do que como um
demérito da Concertação.
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Qual o significado político que este primeiro ano de governo democrático de direita tem para o Chile?
É muito, muito simbólico historicamente. Mas não significa que haja
diferenças substanciais na maneira de governar. Do ponto de vista do
crescimento econômico, da solidificação das instituições democráticas,
da gestão da máquina estatal, é muito parecido. E essa conclusão impõe
uma reflexão profunda tanto para a direita quanto para a centro-esquerda
que estava no poder. Os experts do setor privado que pensaram que era
possível fazer um choque de gestão e implementar técnicas de governo
hiper produtivas, vindas do mercado, viram que as coisas são diferentes e
que o Estado não é uma empresa.
E a Concertação aprendeu a ser oposição?
No Parlamento, sim. E o faz muito bem. Mas está completamente
desconectada do mundo social, do mundo sindical, por exemplo. Eles são
mais do que qualquer outra coisa, parlamentares. E, na verdade, o setor
de centro-esquerda está funcionando agora, no Parlamento, de forma muito
mais efetiva para o país do que quando estava no governo. O que anda
ausente é a pressão social, salvo alguns episódios, como os protestos realizados em Magallanes pela alta no preço do gás.
Há 130 mil famílias desabrigadas há um ano no Chile. Piñera cumpre com a tarefa de reconstruir o país após o terremoto?
Ele não respondeu as expectativas que ele mesmo gerou quando assumiu. Na
época, ele dizia que o Chile não precisava de ajuda externa. Piñera
viveu e vendeu uma fantasia que só desmoronou agora, um ano depois.
Hoje, o governo tem de fazer o básico a duras penas e até que o faz bem,
mas dentro daquele jeito chileno, daquela inércia, automação. Não é o
jeito ‘tecnificado’, cheio de êxitos, que o mundo privado prometia ao
migrar para a administração pública.
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