Paula Rosales/Opera Mundi
Grupo de surfistas que integra programa de inclusão social em El Salvador se prepara antes de entrar no mar
Marvin López, de 30 anos, está ansioso para um dos dias mais emocionantes e inesquecíveis de sua vida: é a primeira vez que vai entrar no mar. Após colocar o calção de banho, ele respira fundo ao olhar para as ondas que o esperam logo à frente – altas e volumosas. São poucos segundos até Marvin mergulhar fundo e sentir o gosto da água salgada nos lábios.
A experiência do salvadorenho é repetida por milhares de pessoas todos os dias ao redor do mundo. Porém, ao contrário da maioria, Marvin é cadeirante. A falta de mobilidade nas pernas não o impediu de se aventurar nas ondas. Era a primeira vez que ele tinha a oportunidade de surfar no Oceano Pacífico.
Deslizar sobre as ondas em uma prancha de surfe requer muita coragem e conhecimentos avançados de natação, mas um grupo de pessoas com deficiência física em El Salvador rompe com os paradigmas desse esporte quando enfrenta a maré simplesmente com a força de vontade.
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Nessas condições, surfar poderia ser considerado um ato de loucura, mas, para essas pessoas, se trata de demonstrar à sociedade que, sim, elas podem praticar um esporte radical. Trabalhar ou serem produtivas em diferentes setores vêm colo em seguida.
Na praia El Zonte, a 52 quilômetros a oeste de San Salvador, capital do país, o vento marinho sopra forte e os raios de sol começam a queimar a pele, mas o grupo de pessoas está disposto a brincar com as ondas, que chegam a alcançar até dois metros de altura.
Paula Rosales/Opera Mundi
Todos na água: pela primeira vez, grupo de cadeirantes surfa nas ondas da praia de El Zonte, em El Salvador
“Senti medo, mas estava confiante na hora de manobrar a prancha”, contou Marvin a Opera Mundi, depois de surfar por uma hora. O rapaz diz estar acostumado a desafios maiores. Ele é o mais velho de oito irmãos, que vivem junto com a mãe, nos arredores da capital. Quando tinha 17 anos, foi atropelado por um carro quando saia da escola. No momento do acidente, perdeu a consciência e também a mobilidade da cintura para baixo, além de ter uma das pernas amputada.
Inclusão
Marvin lamenta que, embora em El Salvador exista uma lei de igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência, na vida real, ela não seja aplicada corretamente. Estima-se que, de uma população de 6,7 milhões de habitantes no país, existam 600 mil pessoas com algum tipo de deficiência.
Muitos deles, apesar de suas realizações acadêmicas ou técnicas, não conseguem encontrar um trabalho estável nas empresas ou no governo porque são discriminados por sua condição. El Salvador, cuja economia está dolarizada, foi um país duramente afetado pela crise econômica mundial de 2008. Segundo a última estatística oficial, a taxa de desemprego é de 6,6%.
Por essa razão, a Fundação Sem Limite, uma organização não-governamental que busca a inclusão, a garantia dos direitos e a incorporação no trabalho de pessoas com deficiência, idealizou o projeto de surfe. “Queremos que as pessoas superem medos. O fato de deficientes enfrentarem desafios como esses é o nosso objetivo básico e fundamental”, afirmou Roberto Reyes, presidente da fundação.
Paula Rosales/Opera Mundi
Segundo Marvin, o surfe lhe incentivou a sair dapobreza. No próximo ano, diz, pensa em retomar os estudos – o bacharelato que suspendeu por conta do acidente. “Quero arranjar um emprego, porque minha mãe está sofrendo muito com sua saúde. Também tenho minhas necessidades, quero ajudar em casa, meus irmãos, quero me sentir útil sendo útil para os demais”, falou, sem perder o sorriso.
Do campo de batalhas
Reynaldo Navarro é um ex-militar do exército salvadorenho que perdeu as pernas ao pisar em uma mina elétrica antitanque, enquanto participava de uma operação antiguerrilha em uma das zonas mais críticas de combate. El Salvador sofreu 12 anos com uma guerra civil (1980-1992) que deixou um saldo de 75 mil mortos e oito mil desaparecidos. Reynaldo conta que, quando se alistou obrigatoriamente, aos 19 anos, não entendia o porquê ou contra quem guerreava.
“Não sabia nada dessa coisa de guerra. Se eu tivesse entendido o que era o movimento guerrilheiro, teria preferido perder minhas pernas lutando com eles, e não nas Forças Armadas”, ressaltou. Aos 44 anos, Reynaldo vivo sozinho e diz se sentir esquecido pelos companheiros de exército. Mas agora, com o programa de surfe, retomou as forças. O resultado parece ter sido unânime entre os novos surfistas.