“Uma nova Bolívia foi fundada, com igualdade e oportunidade para todos”.
Essas foram as primeiras palavras do presidente Evo Morales aos milhares de seguidores que o aplaudiam sob a sacada do Palácio Quemado, em La Paz, após pesquisas apontarem que a nova Constituição foi aprovada no referendo de ontem (25), com porcentagem que varia de 60% a 62% dos votos.
“Isto significa que vamos continuar o trabalho que já estávamos realizando. A era do neoliberalismo oficialmente acabou”, decretou o presidente.
Líderes da oposição e analistas conservadores ecoaram uma declaração do vice-presidente Alvaro Garcia Linera, feita anos atrás, na qual ele ressalta que a Constituição deveria ter a aprovação de todos os departamentos para ser legitimada.
Mas esse argumento provavelmente não servirá de munição por muito tempo para a oposição, segundo o analista norte-americano residente na Bolívia Mark Weisbrot. Ele argumenta que mesmo na mais federalista das nações, os Estados Unidos, as questões são decididas com base na maioria nacional. “É como dizer que, se Barack Obama não ganhasse no Texas, ele não poderia ser o presidente”.
A quantidade de votos “não”, concentrados nos estados mais ricos da chamada “meia-lua” (Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca), deu fôlego à oposição, que promoveu pesada campanha contra a nova Constituição. As maiores vitórias dos oposicionistas ocorreram em Beni (70% “não”) e Santa Cruz (66% “não”), segundo as pesquisas.
Ainda na noite de ontem, de acordo com o jornal boliviano El Deber, a governadora de Chuquisaca, Savina Cuéllar, conclamou o povo a repudiar a nova Constituição, por considerar que houve fraude durante a jornada eleitoral. O “sim” teria ganho por escassa margem em Chuquisaca: 51% a 49%.
O governador de Santa Cruz, Rubén Costas, afirmou que o governo Morales deve reconhecer que não obteve a maioria dos votos. Caso contrário, terá de enfrentar “uma forte resistência”, declarou perante milhares de pessoas que compareceram à Praça 24 de Setembro, na capital do estado, para festejar a vitória do “não”.
A oposição afirma que a nova Constituição concede privilégios a grupos étnicos em detrimento dos mestiços, e que não contém uma descentralização verdadeira do poder, a autonomia tão reivindicada nos estados mais ricos. Mas há resistência também na capital do país, reduto eleitoral de Evo Morales.
Um eleitor de classe média do bairro de San Pedro, em La Paz, expressou sua frustração ao Opera Mundi. “Há duplicidade, repetições e contradições no texto. Como podemos ser uma nação unida e, ao mesmo tempo, sermos 36 nações originárias também?”, comentou David Gallardo, 78 anos, após votar. “Vai ser um caos total”.
Ninguém poderá adquirir terra maior que 5 mil hectares
As pesquisas revelaram também que 77% dos bolivianos preferiram estabelecer o limite de propriedade de terra em 5 mil hectares (cada hectare corresponde a um campo de futebol – a outra opção seria 10 mil. Isso também é uma derrota da oposição, liderada por vários latifundiários. No entanto, a mudança não se aplicará aos atuais fazendeiros, apenas aos próximos.
O referendo explicitou as profundas divisões do país, concentradas não apenas entre as planícies mais ricas do leste e o oeste predominantemente andino e indígena. É possível observar as diferenças nas ruas de La Paz.
Ontem, no tradicional bairro de Sopocachi, uma senhora da etnia aimará, a mesma do presidente Evo Morales, vendia frutas na calçada. Ao ser questionada se votou pelo “sim” no referendo, ela ficou em silêncio. No entanto, assim que alguns moradores mais abastados saíram de perto, ela escancarou um sorriso desdentado e negou com a cabeça enfaticamente.
Mas ela faz parte da minoria. Evo Morales sabe, e explora isso em suas manifestações. “Desde 2005 até 2009, vamos de triunfo em triunfo. Os neoliberais, os vendedores da pátria permanentemente estão sendo derrotados graças à consciência do povo boliviano”, disse o presidente em seu discurso, segundo a Agência Boliviana de Informação (ABI). “Quero que saibam que aqui termina o Estado colonial, o colonialismo interno e externo”.
Leia a nova Constituição na íntegra e saiba mais sobre as mudanças em outra reportagem da nossa correspondente.
* Com informações da redação.
Reportagem atualizada para correção de informação sobre uma suposta declaração do vice-presidente.
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