O debate sobre a punição dos crimes da ditadura recomeçou ontem (11) em um lugar bastante propício. A Estação Pinacoteca, mesmo prédio em que funcionou a versão paulista do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), um dos principais órgãos de repressão do período, recebe até sexta-feira o Seminário Internacional “A Luta pela Anistia: 30 Anos”.
A despeito do nome, as mesas de discussão devem ser marcadas não pela defesa do perdão “amplo, geral e irrestrito”, supostamente dado pela Lei de Anistia, mas pela possibilidade de punição dos militares responsáveis por seqüestros, torturas e assassinatos de opositores do regime.
Durante a abertura do evento, o ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, comemorou o fato de o tema não estar mais “bloqueado” na sociedade. Ele também destacou que não existe sentimento de revanchismo no debate. “Estamos movidos pelo nosso dever institucional, histórico, ético de quebrar a impunidade”, disse.
O ministro anunciou que o Governo deve abrir nesta semana o edital para a devolução de arquivos e documentos de órgãos de repressão que estejam em posse de particulares. Na cerimônia, a ministra da Casa Civil Dilma Roussef também deve entregar um anteprojeto para alterar a lei sobre o sigilo de documentos oficiais.
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Cotado para assumir uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apoiou as iniciativas para a abertura dos documentos.
“Um Estado democrático não convive com a sonegação da verdade e com a mentira”, afirmou Antonio Fernando, que desconversou quando questionado sobre a possibilidade de substituir a ministra Ellen Gracie no Supremo. Ele já anunciou que não pretende ser reeleito a um terceiro mandato no cargo máximo do Ministério Público.
Impunidade “incompatível”
Primeiro palestrante do evento, o advogado Pedro Nikken, ex-presidente da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), defendeu a tese de que os países que ratificaram Convenção Americana de Direitos Humanos —caso do Brasil— têm a obrigação de investigar e julgar os crimes dos anos de chumbo.
“A impunidade dos responsáveis por graves violações aos direitos humanos é radical e absolutamente incompatível com as obrigações assumidas pelos Estados partes quando ratificaram a Convenção [Americana de Direitos Humanos]”, disse.
Segundo Nikken, que é venezuelano e atua como advogado de funcionários da RCTV, fechada pelo Governo Chavez, a jurisprudência da CIDH afasta qualquer impeditivo à persecução dos crimes lesa-humanidade, como as leis de auto-anistia —que não tem efeito e devem ser abolidas, segundo a convenção.
“O Estado parte não poderá alegar prescrição ou retroatividade da lei penal. Ou se utilizar de leis de auto-anistia para se escusar de promover a penalização, que nos casos de crime lesa-humanidade é obrigatória segundo o direito internacional”, afirmou.
O especialista também defendeu que a iniciativa de por fim à impunidade não deve ficar restrita ao Judiciário, mas ressalta que é preciso evitar a contaminação de ideologias políticas, que podem levar ao revanchismo. Nikken ressaltou que cabe aos poderes Executivo e ao Legislativo garantir a independência do sistema de Justiça, deve ter a autonomia para julgar.
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