Em meio a uma forte tempestade de areia, um numeroso grupo de mulheres, segurando os filhos nas costas e nos braços, corre em direção a uma cabana, enquanto um homem trajando uma camisa do Barcelona FC luta para impor ordem. Dentro, centenas de pessoas esperam pacientemente que seus filhos –alguns somente pele e osso – sejam pesados em uma balança de plástico, enquanto outros seguem chegando ao local, um concorrido centro de alimentação. O cenário de desespero acontece em Tawakal, um dos 31 campos de deslocados internos em Bosasso, capital comercial de Puntland, Norte da Somália. Lá, a fome é palpável.
Alfonso Daniels/Opera Mundi
Cena comum em clínica em Bosasso, onde casos mais graves de desnutrição infantil são atendidos
“Há cinco meses, vimos que os animais começaram a morrer, um por um. Por isso, decidimos fugir com meu marido e nossos cinco filhos. Achamos que aqui estaríamos a salvo”, conta ao Opera Mundi Saharo Mohamed Ali, de 24 anos, que chegou ao campo faz somente dois meses, vinda de uma aldeia perto de Mogadíscio, capital da Somália.
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“O motorista do caminhão exigiu 40 dólares, valor que não tínhamos. Pedimos que nos levasse, mas ele se negou. Depois, alguns passageiros reuniram dinheiro e ajudaram a pagar nossas passagens”, continua Saharo. “Tive que suplicar por comida e água…dois filhos meus morreram no caminho. Não temos mais nada.”
Tawakal, um dos 31 campos de refugiados da cidade de Bosasso:
Somente no campo de Tawakal, há mil pessoas que, como todos os habitantes dessa cidade, não têm banheiro, água corrente ou eletricidade. Aqui, a maioria se considera privilegiada por comer uma vez ao dia – geralmente arroz com milho, sem carne ou verduras. As famílias cozinham em barracas miseráveis, feitas de papelão, madeira e alinhadas ao longo dos becos onde vivem.
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Ajuda urgente
Abdikadir Ore Ahmed, diretor local da Save the Children, uma das poucas ONGs que trabalham na zona, afirma que a maioria no campo veio do centro-sul da Somália, fugindo da seca, após passar dias viajando em caminhões, à mercê de gangues criminosas que atuam no caminho. O funcionário alerta que o número de crianças desnutridas nos 15 centros de alimentação, que operam sem intervalos nas últimas duas semanas, passou de 3,5 mil para seis mil casos.
Alfonso Daniels/Opera Mundi
Criança é pesada em centro de alimentação em Bosasso
“Estamos entregando complementos energéticos às crianças, para que sobrevivam durante um mês e depois, providenciamos remédios junto à clínica local, onde tratamos os casos de desnutrição infantil mais graves. Porém, não para de chegar gente, precisamos de ajuda”, relatou Abdikadir ao Opera Mundi. O calor é opressivo e a temperatura passa dos 40º C na sombra. Do lado de fora do centro, crianças vagueiam pelo campo enquanto seus pais tentam desesperadamente encontrar trabalho na cidade – a maioria em vão.
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Em Bosasso, um terço dos 192 mil habitantes são deslocados internos e esse número aumenta a cada dia – um em cada quatro crianças está desnutrida. Em toda a Somália, cerca de 3,7 milhões de pessoas precisam de ajuda urgente, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), uma cifra que supera os 11 milhões em todo o Chifre da África, uma das piores crises humanitária da história. Os doadores internacionais só entregaram uma pequena parte do dinheiro prometido, advertem as organizações humanitárias.
Clínica na Somália que trata casos de desnutrição severa:
Zonas rurais
O fluxo contínuo de gente fugindo da seca é especialmente urgente nas zonas rurais, distantes das grandes cidades. Um exemplo é a remota região de Karkaar, situada a três horas de carro de Bosasso. Estrangeiros só podem viajar com escolta armada, devido ao risco de roubos e sequestros enquanto se atravessa os mini acampamentos de deslocados internos ou no encontro de grupos criminosos montado em camelos.
“Venho de Dahar, uns 200 quilômetros a oeste daqui. Eu tinha 400 cabras e três camelos, vivíamos bem, até que chegou a seca” conta Hamina Jama, de 60 anos, recém chegada com a filha, um filho e sete crianças. “Os problemas começaram há seis meses: um dia 10 cabras morreram; no dia seguinte, outras 10. Foi então que nos demos conta da gravidade do problema. Restaram somente 50 cabras, o que não é suficiente para sobreviver”.
Alfonso Daniels/Opera Mundi
Para buscar trabalho, os pais deixam as crianças sozinhas no campo de deslocados em Bosasso
Sua família caminhou sete dias para chegar ao lugar. Nas crises anteriores, lembra Hamina, bastava viajar para regiões menos afetadas, mas dessa vez ninguém escapou da seca e algumas comunidades perderam até 85% do gado.
“Imagine, na minha idade, precisei caminhar tantos dias, carregando meus netos nos braços. Não temos comida e quase nada de água. Os animais estão muito fracos, precisamos empurrá-los”, diz Hamina, enquanto mistura uma pequena porção de arroz na panela, a única refeição que todos terão no dia. “Vejo as crianças emagrecendo a cada dia. Sinto como se fôssemos pessoas normais e de repente, ficássemos cegos. Você pode imaginar como seria se ficássemos cegos?”.
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