Um novo escândalo sobre acusações de pedofilia envolvendo padres da Igreja Católica choca a Argentina. Após uma denúncia da imprensa, a Justiça da cidade de Paraná (capital da Província de Entre Ríos, nordeste do país) investiga o sacerdote argentino Justo José Ilarraz, acusado de abusar sistematicamente de pelo menos 50 crianças de 12 a 14 anos entre 1984 e 1992. Outro fato no episódio que gerou revolta é que o arcebispado local admitiu ter ocultado o caso por pelo menos 18 anos.
A denúncia foi veiculada nesta semana pela revista quinzenal local Analisis de la Actualidad. O início das investigações foi confirmado pelo site espanhol Religión Digital, que também realizará investigações. As vítimas eram todas iniciantes em estudos religiosos e teriam sido violadas no Seminário Menor, na cidade de Paraná, na época em que ficavam sob os cuidados de Ilarraz.
O caso foi levado a uma corte interna do arcebispado, em 1993. Na ocasião, inúmeros jovens reconheceram terem sido vítimas do sacerdote enquanto ainda eram apenas pré-adolescentes, mas ficaram com medo de denunciá-lo.
Segundo as denúncias, o padre costumava seguir o mesmo ritual: acariciava-os, dava banho, beijava-os na boca, masturbava-os e, por fim, os penetrava. Essas cenas ocorriam em seu quarto particular no seminário ou nas salas de banho. Em média, ele selecionava dez crianças por ano. Portanto, na pior das hipóteses, os números podem chegar a 80 crianças abusadas – a maioria era proveniente de famílias de camponeses de baixa renda.
Ele também condicionava as crianças a não revelarem nada, pois, caso contrário, seriam sujeitas a represálias. Além de tirar doces e sobremesas, não comiam pratos com a mesma qualidade dos demais internos e ficavam proibidos de assistir TV e filmes. “Vocês precisam aprender que, agora, nossa amizade aumentou. Quanto maior confiança, maior é o amor e a amizade”, costumava repetir o padre às crianças durante a noite.
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O seminário de Paraná sempre se dividiu em duas partes: o “menor” e o “maior”. No primeiro ficavam as crianças entre 12 e 14 anos. Quando completavam 15 anos, eram transferidas para o maior.
Como “penalidade”, Ilarraz foi enviado ao Vaticano por um ano. Até um mês, cumpria funções em uma paróquia de Monteros (província de Tucumán). Um grupo formado por vítimas, padres e ex-seminaristas pediu sua expulsão da Igreja, mas alegam nunca terem recebido respostas.
Ilarraz foi ordenado padre em 1983, após ser educado no mesmo seminário. Na época, a instituição era comandada por Alberto Escurra, um dos fundadores do grupo fascista Taquara. Era seguidor desde jovem do padre Julio Meinvielle, também ligado a grupos fascistas e do escritor e filósofo católico Jordán Bruno Genta, famoso anticomunista.
Outro lado
Em comunicado, o Arcebispado de Paraná admitiu as faltas gravíssimas do padre, esclarecendo que ele foi afastado de suas funções “até que a Santa Sé resolvesse a situação”. Não explicou, entretanto, porque nunca levou o caso à Justiça comum.
“As últimas notícias jornalísticas reavivam nossa profunda vergonha e imensa dor por faltas gravíssimas cometidas por alguém que deveria servir à vida moral do povo com seu exemplo e sabedoria”, disse o arcebispado. A nota acrescenta que a atual situação “nos interpela para que nosso compromisso com a verdade e o bem seja cada vez mais autêntico e eficaz”.
A igreja tenta se justificar afirmando que “logo na primeira vez que tivemos conhecimento dos fatos, realizamos todas as medidas necessárias que nos encaminhassem ao caminho da verdade, sempre preservado o direito da intimidade e do devido processo, e conforme nosso conhecimento da legislação vigente”.
Há um mês, quando a reportagem da Análisis juntou os fatos, falou com testemunhas e visitou a paróquia de Tucumán, Ilarraz deixou de dar missas e abandonou a paróquia alegando motivos de saúde. Seu atual paradeiro é desconhecido.