A campanha eleitoral brasileira começa a atrair a atenção da imprensa estrangeira, que já está fazendo suas apostas à medida que esquenta a competição para suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O jornal britânico Financial Times, por exemplo, deu destaque à política externa, que chamou de “amorosa demais” para conseguir alçar o país ao nível das grandes potências. Em matéria publicada em abril, o correspondente John Paul Rathbone afirmou que “a política de arco-íris” do governo Lula pode estar atingindo o seu limite.
“Muitos sentem que, se o Brasil, vai se sentar na mesa principal, ele terá de tomar decisões difíceis”, diz o correspondente, para quem o “charme” de homem comum de Lula ajuda a esvaziar o peso de ambiguidades. “A imagem do império carinhoso pode não durar mais”.
O mesmo Financial Times já dera palpites sobre as eleições brasileiras no ano passado, ao fazer previsões para o ano novo. Em dezembro, o então correspondente Jonathan Wheatley apostou na vitória da “esquerdista” Dilma Roussef contra o “centrista” José Serra. Para ele, ambos têm o mesmo perfil de “tecnocratas com pouco carisma”, mas “Serra acredita em governo eficiente”, enquanto Dilma “aparentemente acredita em governo robusto”. Por isso, a aposta do jornal inglês é de que ela será eleita, mas o ciclo de crescimento do país vai perder o gás em três ou quatro anos.
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O também britânico The Guardian tem destacado o fato de que o Brasil pode ter uma presidente pela primeira vez, se “a escolhida de Lula para carregar sua bandeira de centro-esquerda” for eleita. O correspondente Rory Carroll já descreveu Dilma como “a favorita”, contando que, na juventude, ela “se tornou uma radical de classe média e se juntou à guerrilha esquerdista de resistência à ditadura militar” antes de ter sido presa e torturada. “A ex-trostkista” teria impressionado no Ministério de Minas e Energia como uma administradora “pragmática e talentosa”, embora tenha uma imagem um tanto “dura” e seja uma oradora “inábil”. “Seu maior trunfo é o apoio de Lula”.
Marina Silva
Mas, se fosse para assumir o voto, não há dúvidas da inclinação do jornal britânico: em 2008, a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi eleita pelo Guardian como uma das 50 pessoas que podiam ajudar a salvar o planeta. Na época, o jornal publicou que a atual candidata do PV tinha “uma das grandes histórias políticas” do mundo por ter passado de “analfabeta aos 16 anos à mais jovem senadora do Brasil”. Marina foi a única latino-americana da lista.
A ex-ministra também foi destaque em artigo da revista conservadora The Economist. “De vez em quando, um político surge parecendo ter princípios demais para disputar uma briga de cachorro grande numa campanha eleitoral. Marina Silva, candidata do pequeno Partido Verde, é assim”, escreveu. Para a publicação, Marina estaria tentando compensar a falta de máquina partidária com “força ética”.
A matéria abordou o ambiente “inóspito” em que ela cresceu, na Amazônia, o que teria causado problemas de saúde permanentes, e do fato de ter trabalhado como empregada doméstica para pagar a universidade. No ministério, Marina teria perdido batalhas, “algumas mais bem-fundamentadas que outras”, como a introdução de soja transgênica, a pavimentação da BR-163 e a expansão da energia nuclear. “O maior tema de campanha da Sra. Silva é que o Brasil tem uma responsabilidade moral de se tornar uma economia de alta tecnologia e baixa produção de carbono como exemplo para outros países em desenvolvimento. É uma crítica tácita ao apreço de Lula por um estado robusto”, diz a revista.
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A Economist já havia criticado, em 31 de março, a defesa de Dilma Roussef sobre a atuação dos bancos públicos na crise, dizendo que o governo estava aprendendo “as lições erradas” da retomada econômica. O jornal disse que Lula, “que muitos esperam que permanecerá no poder por trás do trono se Dilma Roussef vencer” estaria novamente “se apaixonando pelo Estado” ao criar oito estatais e fortalecer as existentes – o que, na visão da revista, é “um equívoco”.
José Serra
Mesmo assim, a Economist aposta que “a eleição não deve afetar fundamentalmente o equilíbrio entre empresas privadas e o Estado no Brasil”. A matéria conclui citando o lado adversário: “Como diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a questão é se o Brasil se daria melhor com um ‘capitalismo burocrático', em que o Estado resolve e ordena as coisas’ ou um capitalismo ‘competitivo', liberal”.
Para a revista britânica, o “possível” futuro presidente é José Serra (PSDB), como escrito em artigo publicado em 4 de fevereiro. Segundo a Economist, Serra tem um currículo “impressionante” como acadêmico, ministro e governador.
No governo de São Paulo, teria passado quase todo o mandato guardando dinheiro, para depois gastar em obras – em especial no metrô da capital e em estradas e rodovias. “Menos visível mas mais importante, isso foi conquistado sem inchar as finanças do estado”. Dilma, “menos carismática, seria também uma desenvolvimentista”, mas Serra, para eles, realizaria as reformas “fundamentais para melhorar os serviços públicos e acelerar a economia”. A Economist só faz uma crítica: o tucano deveria ter começado a campanha antes, sob o risco de ser lembrado como “o melhor presidente que o Brasil nunca teve”.
Europa
Na Espanha, o jornal El País especulou que o voto feminino fará a diferença no pleito – são 5 milhões de eleitoras a mais. Para o correspondente Juan Arias, Dilma é uma “defensora de um estado forte, centralizado e com um forte gasto em políticas sociais”, enquanto Serra defende a austeridade e teria uma concepção menos radical, “mais voltada para o avanço da indústria, o desenvolvimento do Brasil com um maior capital tecnológico”.
Já Marina Silva, segundo o espanhol, seria uma candidata sem “maquiagem eleitoral”, abrindo mão de um marqueteiro na campanha. “Sua candidatura se apresenta como a maior novidade das eleições, uma espécie de Obama brasileira, tanto que Al Gore afirmou que o mundo a ama”, escreveu Arias.
Na França, o Le Monde repercutiu a disputa chamando Dilma de “dama de ferro”. Disse que a “ex-guerrilheira” tem “temperamento exposivo e enorme capacidade de trabalho”. No perfil da candidata, o jornal francês destacou que ela foi condenada a seis anos de prisão “sem ceder à tortura”, mas também ressaltou as cirurgias faciais que fez. Estaria mais jovem, fina – e sem óculos. O câncer, também, teria colaborado para “adoçar a sua imagem”.
A rede de TV árabe Al Jazira também deu seu palpite. No dia 25 de abril, o analista político de origem palestina Marwan Bishara elogiou o governo Lula, dizendo que o Brasil está “ombro a ombro” com as superpotências e “tem muito o que oferecer às nações do Norte e do Sul”. Bishara acredita que o sucessor vai seguir a mesma política nacionalmente, mas será diferente no campo das relações internacionais. “Se José Serra, o governador de centro-direita de São Paulo, vencer a eleição, o Brasil pode não ser mais tão ativo no palco global e certamente não tão entusiata das relações Sul-Sul. Alguns da direita defendem que o Brasil não deve ter interesses em tomar lados e irritar o vizinho do Norte em lugares distantes, como o Oriente Médio”, escreveu.
América Latina
Aqui e ali, nossos vizinhos começam a prestar atenção à disputa eleitoral, embora ainda sem uma cobertura permanente. Na vizinha Argentina, o jornal Clarín questionou a preferência do empresariado brasileiro que, segundo a correspondente Eleonora Gosman, quer “a garantia da continuidade da política económica de Lula”, que teria garantido recuperação da crise e lucros recordes para os principais grupos bancários, agrícolas e industriais. Segundo ela, o empresariado estaria esperando uma espécide de “Carta ao Povo Brasileiro” da parte de Dilma Rousseff.
Outro jornal argentino, o La Nación, aposta que os governistas vão polarizar a disputa entre o “modelo FHC” e “modelo Lula”. Um artigo do analista politico Rodrigo Mallea, publicado no final de janeiro, defende que a comparação é “extremamente superficial” já que “um não poderia ter acontecido sem o outro”. O jornal avalia que a entrada de Marina Silva na disputa incorporou o tema ambiental no debate ambiental, o que pode causar problemas a Dilma, já que o PAC teria obras criticadas em relação ao aspecto ambiental. Mas, para o analista, se Serra ou Dilma vencerem, a perspectiva será boa, afinal, “os projetos políticos” que têm “administrado exitosamente o Brasil” na última década continuarão no Planalto.
Uma matéria polêmica sobre o passado guerrilheiro de Dilma Rousseff foi destaque em 8 de março (Dia Internacional da Mulher) no jornal chileno La Tercera. O texto tratou da militância na organização Polop (Política Operária), do casamento com um suposto “fabricante de bombas” e até mesmo do passado comunista do pai, o imigrante búlgaro Petar Rousseff – além das acusações de que Dilma teria participado de uma tentativa de sequestro do ministro Delfim Netto e do assalto milionário a Adhemar de Barros, em 1969.
O jornal direitista citou o sociólogo Bolívar Lamounier, identificado com o PSDB, para dizer que o povo brasileiro sabe muito pouco sobre Dilma. “É sabido que as organizações a que ela pertenceu sequestraram e assassinaram. Lula sabe que esse pode ser um ponto vulnerável” na campanha, disse.
No México, o jornal esquerdista La Jornada também tomou partido, louvando o governo Lula e a candidata governista, em um artigo do articulista Alfredo Jalife-Rahme. “Na nossa opinião, a esperada vitória de Dilma Rousseff consolidaria o exitoso legado nacional de Lula – candidato natural ao prêmio Nobel da Paz – frente ao entreguismo do candidato José Serra, do PSDB”.
O colunista chega a elogiar a atuação de Serra à frente do Ministério da Saúde, mas afirma que ele seria um “péssimo presidente na fase inscipiente da ordem multipolar ao não concordar com a imagem do Brasil como admirável potência emergente”. Ao contrário, Lula e Dilma seriam, “mais que estatistas, da multipolaridade”.
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