Entre os colegas armados, José Emmanuel Piaggessi é chamado de Yousseff Al Arjentiny. Com um nome árabe, farda, boina vermelha e um pano palestino no pescoço, o professor argentino de apenas 23 anos passou a carregar um fuzil e se juntou aos rebeldes que lutam para destituir Muamar Kadafi.
José Piaggessi/TeleSur
“Me falam do Messi, do Maradona e mencionam muito o Che”, contou o argentino
Antes de chegar à Líbia, em fevereiro, o argentino fez uma viagem pela Europa. De lá, partiu para o Egito, onde participou dos protestos na praça Tahrir, que precederam o derrocamento do ex-ditador Hosni Mubarak. Em meio à efervescência de revoltas em diversos países do Oriente Médio, na chamada “primavera árabe”, Piaggessi decidiu unir-se também às manifestações em Bengazi contra o líder líbio.
Assim, “Al Arjentiny” foi o único sul-americano conhecido por participar da ocupação de Trípoli, e do complexo presidencial de Kadafi, Bab Al-Aziziyah, localizado no subúrbio da capital líbia. Piaggessi ingressou no país africano com uma credencial de jornalista, o que gerou dificuldades iniciais para que pudesse desvincular sua imagem à de um repórter ansioso por notícias e conquistar a confiança dos rebeldes.
“Para ser sincero, me tratam como um filho. Sempre tem alguém na minha frente e alguém atrás de mim [durante os confrontos], me falam do Messi, do Maradona, e mencionam muito o Che, que marcou os corações desta gente. As pessoas que estão aqui na trincheira vêem a força do Che Guevara nesta luta”, afirmou o professor ao canal de televisão A24.
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Nos intervalos dos confrontos entre as filas armadas insurgentes contra as tropas de Kadafi, o argentino escreve crônicas, no estilo dos diários do famoso revolucionário nascido em seu país. Um trecho enviado por ele à BBC Mundo revela as mazelas dos dias empunhando um fuzil, nos quais uma de suas funções era a evacuação de mortos e feridos:
“(…) começamos a escutar o inconfundível som do escapamento dos tanques, motivo pelo qual abrimos fogo com mísseis katiyushas (sic) e projéteis de morteiro, o que serviu para nos manter distantes… por um tempo… depois de uma noite tranquila demais, umas seis da manhã começou a soar de longe as rajadas das metralhadoras leves, semi, e pesadas, varrendo o terreno durante o trajeto … era evidente, vinha uma ofensiva…”
“Adentramos na vegetação uns 200 metros e começamos a atirar, nos responderam, estavam bem perto… começamos a escutar ‘ei, não disparem, somos rebeldes'… ficamos confusos, demos um alto ao fogo (…) como bons pelotudos tínhamos caído na conversa (armadilha) (…) começaram a disparar sem piedade, atingiram Mohamad na perna esquerda, não pudemos manter terreno nem por um segundo …”.
“…e aconteceu o que tinha que acontecer…um deles (soldado de Kadafi) disparou um projétil de RPG (lança-granadas) que caiu justo na frente de Muftah (o líder do grupo)… eu, que me encontrava à sua esquerda… os fragmentos voaram para todos os lados… a explosão me aturdiu imediatamente, a poeira que subiu não me permitia ver o que estava acontecendo, sem entender o ocorrido, corri em retrocesso, enquanto via que os que estavam ao meu redor diziam coisas que eu não conseguia escutar… percorri 50 metros e senti calor na cara, coloquei a mão, estava sangrando, continuei correndo, não conseguia entender, mas era obvio, tinham me atingido”.
Um ferimento na perna, causado durante o episódio descrito no diário, exigiu dias de recuperação e impediu sua participação durante um tempo na frente de batalha. Desde que chegou à Líbia, o jovem professor diminuiu o contato com a família, gerando muita preocupação para os pais, que residem na província de Neuquén, no sul argentino.
OTAN
Apesar dos rebeldes contarem com apoio tático e bélico da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o argentino faz fortes críticas ao bloco, que acusa ter interesse na Líbia para o controle de seus recursos energéticos, e afirma que grande parte dos insurgentes luta também contra os interesses imperialistas.
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“Os abutres dos céus só querem petróleo. Se tivéssemos permitidos que eles aterrissassem, esses ‘cachorros’ teriam derrocado o regime em poucos meses. Mas os líbios se sacrificaram para não permitir uma situação como a do Iraque e do Afeganistão. Aqui, nenhum soldado deles colocará um pé”, afirmou o professor ao jornal Perfil.
Segundo ele, muitos dos combatentes rebeldes são de esquerda e reivindicam tanto a figura de Che Guevara como a do cubano Fidel Castro: “Ninguém do Ocidente poderá pisar em território líbio, porque assim que o Kadafi cair, vamos começar a lutar contra os que venham invadir o país”, afirmou ao A24.
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