A instalação de bases norte-americanas em território colombiano é o pior erro do país desde a perda do Panamá, na opinião do ex-presidente Ernesto Samper (1994-1998). Em entrevista publicada na última edição da revista Semana, o político diz também que não se pode subestimar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e que a libertação dos sequestrados pela guerrilha no país vai de mal a pior.
Samper não foi dos presidentes colombianos que tiveram a relação mais próxima com os Estados Unidos. Foi duro no combate aos cartéis da droga e foi acusado de receber dinheiro do narcotráfico na campanha eleitoral, num caso judicial que ficou conhecido como Processo 8.000. Desde que deixou o governo, dedica-se à vida acadêmica, publicando estudos sobre a globalização e a governabilidade na América Latina. Leia a entrevista.
Qual é a gravidade de o exército venezuelano ter voado a dois passos da fronteira com a Colômbia?
Esse fato não pode ser analisado isoladamente dos incidentes que têm ocorrido nos últimos 90 dias e que têm envolvido autoridades e agências de inteligência dos dois países.
Com estes episódios, passaremos da pré-guerra para a guerra?
Não haverá uma guerra no sentido convencional, mas na fronteira está se iniciando um conflito de maior proporção. Isso está relacionado com a crise social que se está vivendo ali e pela inatividade do governo da Colômbia, que está mais interessado em estabelecer um conflito político, atendendo a outros tipos de interesses.
Que tipo de interesses?
Dizem que Chávez está desprestigiado e precisa disso para as eleições. Mas aqui também pode haver setores interessados em manter o conflito porque isto renderia lucros eleitorais imediatos. Pode ser que não para o presidente, mas quem sabe. De repente, a manutenção do conflito pode legitimar uma reeleição, porque as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] já não servem mais.
Ou seja, teremos crise à vista?
É óbvio que por trás disso se esconde o assunto das bases militares, que é o maior erro da história da Colômbia desde que perdeu o Panamá [o país, que passou a fazer parte da Gran Colômbia de Simon Bolívar em 1821, após livrar-se do domínio espanhol, declarou-se independente em 1903 e usufruiu, desde então, os benefícios trazidos pelo canal que liga os oceanos Atlântico e Pacífico]. O governo deveria ter previsto que isso poderia ser visto por muitos países como uma ameaça à segurança. Não podemos minimizar nem subestimar a ideia de Chávez sobre o verdadeiro objetivo das bases e a sua relação com a segurança da Venezuela.
Por quê? Uribe mente quando diz que as bases são para lutar contra a guerrilha e o narcotráfico?
Coloco na mesa os vários antecedentes das bases. Primeiro, que desde janeiro as bases figuravam nos mapas do Pentágono como parte da estratégia de segurança básica dos Estados Unidos. Segundo, que na solicitação do Pentágono para adequar Palanquero [base no centro do país] claramente se estabelecia que a base também serviria para neutralizar os governos inimigos dos Estados Unidos. E, terceiro, os tipos de equipamentos que as bases terão: os C17, que transportam até 70 toneladas de material bélico; os Orion 3, que são para espionagem rápida e vão para a base de Malambo; os Boeing Galaxy, que são para transporte em massa de passageiros, e os Awacs, que são plataformas eletrônicas móveis. Esses não são equipamentos para combater o narcotráfico e a guerrilha na Colômbia. A partir das bases, começarão a lançar operações de vigilância sobre a região e vão terminar por nos isolar.
Então, para que servem realmente as bases?
O governo acredita que conseguiu montar uma estrutura dissuasiva frente à Venezuela.
Isso quer dizer que a Colômbia mudou sua estratégia de guerra?
Tudo isto é um paradoxo. O êxito da política de segurança democrática frente às Farc acabou complicando a questão das fronteiras. Mas o modo de evitar isso era vinculando a região à resolução do problema e não trazendo as bases, que se converteram num conflito internacional.
Chávez está colocando muita lenha na fogueira. Isso é cortina de fumaça, paranoia ou plano calculado?
Respeito o que dizem os meios, mas me parece ingênuo, e ajuda o governo, ter a opinião pública contra Chávez e a favor de medidas como a instalação das bases. Chávez efetivamente considera um perigo para a segurança da Venezuela haver bases norte-americanas espalhadas pela Colômbia, com equipamentos que, por exemplo, podem ter alcance desde Malambo até Maracaibo. Já os equipamentos das bases do sul podem ser uma resposta estratégica ao petróleo de Orinoquía. Não se pode considerar isso somente delírio de um paranóico. Chávez tem direito de sentir-se ameaçado pelas bases porque efetivamente nós não necessitamos delas para seguir lutando contra o narcotráfico e o terrorismo.
Se elas não servem para os problemas internos e geraram tanta confusão externa, por que o governo se meteu nisso?
Você deveria perguntar isso a ele, e não a mim.
Mas, apesar das bases, Washington não tem acompanhado a Colômbia nesta crise com Chávez?
A mais prejudicada com as bases é a própria Colômbia, que está internacionalizando o conflito. E, em segundo lugar, os Estados Unidos. Ficamos aguardando um sinal de esperança de que Obama mude as relações com a América Latina.
Mas eles podem vigiar Chávez sem as bases…
O problema é mais grave. Depois do 11 de Setembro, os Estados Unidos mudaram sua política de bases fixas por expedicionárias e definiram algumas passagens de mobilidade aérea estratégicas. Na América do Sul, Palanquero serve para saltar através da ilha Ascención para o controle da África.
O senhor tem conversado com Chávez. Vê que ele está interessado em solucionar a crise?
Parte do problema de Chávez é que acredita que todos são inimigos dele e da Venezuela. É certo que suas declarações não ajudam a mudar muito essa percepção. Não me solidarizo com a forma como Chávez conduz as relações diplomáticas, mas não se pode subestimar a impressão que ele tem. Também não basta que o governo transfira multilateralmente o cenário do conflito. Tem que ser mais pró-ativo na busca de uma saída. A questão dos empresários é uma tragédia grega. O país está perdendo quatro milhões de dólares diariamente por causa da paralisação das negociações com a Venezuela. Tem empresários desesperados, e o governo diz a eles que se abram a outros mercados. Como se fosse tão simples buscar um mercado de 6 bilhões vendendo confecções aos Emirados Árabes.
Diplomaticamente, estamos estagnados…
Não podemos concentrar as relações baseados na montanha russa dos temperamentos de Chávez e Uribe. A ideia é restabelecer de maneira permanente as relações, e a negociação segue sendo o único caminho para isso. Uma mediação, mas não para que Chávez e Uribe se sentem para tomar um café, e sim para estabelecer um plano de contingência. Se não se faz um plano de curto prazo, isso vai explodir. Me parece interessante a proposta dos Estados Unidos de ter enviados especiais de cada país que gozem da confiança dos presidentes e que, de maneira discreta, trabalhem na reconstrução das relações, ponto por ponto.
Isso melhoraria a confiança entre os países?
Trata-se de pessoas com interesses, ambições e personalidades difíceis, e isto pesa. Mas um fator objetivo é que nas agendas políticas de cada um o conflito tem um papel.
Ou seja, o senhor acredita que a resolução do problema será por partes.
Eu penso, com certo grau de otimismo, que sim.
Finalmente, por que segue empacada a liberação dos sequestrados?
É lamentável o que está acontecendo. Estamos de mal a pior. Sem a pressão internacional, o governo tem se dedicado a colocar condições às Farc até tornar impossível a troca. Há cinco anos, o governo aceitava a troca sempre e não desocupava nenhum território. Hoje, que as Farc não pedem a desocupação, [Uribe] nega até reuniões para estabelecer protocolos de liberação.
Por isso não foram libertados Moncayo e Calvo?
O assunto de Moncayo está resolvido. Se o presidente disser “sim, liberem Moncayo”, em 72 horas Moncayo está em sua casa. Mas usar Moncayo para obstruir a troca é uma atitude completamente cruel.
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Que caminho resta aos sequestrados?
A única coisa que podemos dizer é que não há caminho. Porque não se pode condenar uma pessoa que está lá, totalmente decepcionada, depois de 12 anos de cativeiro, que não tem esperança, que se suicida. Esse é o argumento mais grave que tenho para não estar de acordo com a reeleição.
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