“Nunca esperaria uma decisão dessas. Dar status de refugiado político a Cesare Battisti é querer levar a história bem levianamente e não assumir nada”.
A reação é de Alberto Torregiani, procurado pelo Opera Mundi para comentar a decisão do governo brasileiro de dar refúgio político a Cesare Battisti, escritor e ex-militante do PAC (Proletários Armados para o Comunismo). Alberto é filho de Pierluigi Torregiani, joalheiro morto em 1979 em Milão, em um dos quatro crimes pelos quais Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália.
O Ministério da Justiça concedeu refúgio anteontem, por considerar que o acusado não teve direito de defesa antes de ser condenado e sofre perseguição política em seu país. A decisão foi muito criticada na Itália, com exceção de alguns setores da esquerda. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não voltará atrás e que é preciso aceitar a decisão.
“Sempre justificam que ele é um perseguido político, porém, no fim das contas, não vejo nada que demonstre sua inocência. Eu mesmo tive a vida comprometida por um crime dele”, contou Alberto Torregiani, que ficou paraplégico durante o assalto que matou o pai. “Se continua a escapar, deve ter um motivo”.
Outros familiares das vítimas dos homicídios pelos quais Battisti é acusado também se mostraram decepcionados.
“Para nós foi pior que um soco”, lamenta Adriano Sabbadin, filho de Lino Sabadin, morto também em assalto. Em declaração ao site do jornal italiano La Repubblica, Sabbadin disse que enviou uma carta aos jornais brasileiros, na qual faz um apelo ao presidente Lula para rever a decisão do Ministério da Justiça. O governo italiano fez o mesmo apelo.
Leia também a cronologia do caso.
Pesadas também foram as críticas de expoentes do governo italiano.
Hoje, em nota oficial, o ministro da Justiça, Angelino Alfano, disse estar “desiludido, surpreso e amargurado” pela decisão brasileira de dar status de refugiado político a um homem “que é um assassino e um criminoso”. Ele prometeu tentar reverter essa decisão usando “todas as possibilidades jurídicas”.
Categóricas foram as acusações do ministro do Interior e da Defesa, Roberto Maroni. Para ele, houve “um erro muito grave do governo brasileiro que ofende as vítimas do terrorismo, o sistema judiciário e o povo italiano”.
Faltou consciência, diz membro da “esquerda democrática”
A reprovação não é só do governo de direita de Silvio Berlusconi.
“Ė uma decisão errada”, criticou Piero Fassino, do PD (Partido Democrático, da chamada esquerda democrática). Em programa da televisão italiana, Fassino alegou que “Battisti foi processado não por crimes políticos, mas por motivos mais graves, delitos de sangue que deixaram muitas vítimas. Ele foi protagonista da época dos terroristas e seria correto que a magistratura brasileira fosse mais consciente das escolhas que faz”.
Maurizio Gasparri, líder dos senadores do PDL (Popolo della Libertà), partido de direita, disse que “a decisão do Brasil é vergonhosa e inaceitável”, em depoimento à agência Ansa.
Giovanni Russo Spena, do PRC (Rifondazione Comunista), partido de esquerda, defendeu a decisão usando um argumento jurídico: na Itália, não há possibilidade de revisão de processo. E como Battisti foi condenado à revelia, pois fugira para a França, não foi possível ter uma defesa adequada, segundo ele.
“Portanto, não conceder a extradição é correto”, afirmou ao Opera Mundi. Spena só demonstra perplexidade com a alegação de que o condenado corre risco de vida nas prisões italianas. “Essa idéia é inverossímil. Na Itália existem vários problemas carcerários. Mas dizer que existem mortes de condenados políticos, isso nunca se verificou”.
Lula: italianos têm que respeitar
O presidente Lula disse hoje, em entrevista coletiva, que a decisão do Ministério da Justiça é soberana. “Precisamos aprender a respeitar a decisão soberana de cada país. O Brasil entendeu que era correto e tomou a decisão. Acho que os italianos precisam respeitar. Pode até não concordar, mas tem que respeitar”.
No Itamaraty, apesar dos apelos da chancelaria italiana, a decisão do ministro de justiça, Tarso Genro, não é questionada. “Num caso como esse, a posição do ministro da Justiça é quase parajudicial. Pela maneira como a lei foi feita, é ele quem tem que fazer o julgamento, o recurso é para ele”, disse Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, segundo a Agência Brasil.
A defesa apresentou hoje ao STF (Supremo Tribunal Federal) o pedido de revogação da prisão. Battisti está preso na penitenciária da Papuda, em Brasília.
Reportagem ampliada.
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