O mundo ficou sabendo hoje (3) da morte de Claude Lévi-Strauss, antropólogo e etnógrafo francês que exerceu influência decisiva sobre as ciências humanas na segunda metade do século 20, sendo uma das figuras fundadoras do pensamento estruturalista. Nascido em 28 de novembro de 1908 em Bruxelas, Lévi-Strauss faleceu no último sábado, em Paris, faltando menos de um mês para completar 101 anos de idade. A morte foi anunciado pela editora Plon, que não informou a causa nem o local exato.
Professor honorário no Collège de France, Lévi-Strauss ocupou a cadeira de antropologia social de 1959 a 1982. Era ainda membro da Academia Francesa.
Desde os seus primeiros trabalhos sobre os indígenas brasileiros, que ele estudou in loco entre 1935 e 1939, e a publicação de sua tese “As Estruturas Elementares do Parentesco”, em 1949, Lévi-Strauss produziu uma obra científica cujas contribuições foram reconhecidas internacionalmente. Dedicou uma tetralogia, “Os Mitológicos”, ao estudo dos mitos. Estes deram lugar à publicação de diversos volumes, sendo o primeiro “O Cru e o Cozido”, de 1964. Mas publicou também obras que fogem do estrito quadro dos estudos acadêmicos. A mais célebre delas, “Tristes Trópicos”, foi publicada em 1955, conhecido e apreciado por um vasto círculo de leitores.
Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, filho de pais franceses de uma família de tradição intelectual e artística, especialmente voltada para o campo musical, e judaica de origem alsaciana, que vivia nos arredores de Estrasburgo. Era filho do pintor Raymond Lévi-Strauss e de Emma Lévi. Seu pai era um retratista que foi à ruína com o advento da fotografia. Seu avô materno, com quem morou ao longo da Primeira Guerra Mundial, era o rabino da sinagoga de Versalhes.
Quando inicia os estudos secundários, chegando ao renomado Liceu Condorcet, o jovem Claude se muda para Paris. É lá que conhece uma jovem socialista de um partido belga e passa a militar nos círculos da esquerda. Descobre rapidamente as referências literárias do partido, que até então desconhecia, inclusive Marx. Filia-se ao Partido Socialista Francês – SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária), encarregado de promover o grupo de estudos socialistas.
Prossegue os estudos na Faculdade de Direito de Paris, onde se forma, antes de ingressar na Sorbonne. Em 1931, recebe o diploma em Filosofia (viria ainda a obter o doutorado em Letras em 1948).
Vida no Brasil
Lévi-Strauss certamente deixou de fazer uma proeminente carreira política quando decidiu viajar para o Brasil.
Depois de dois anos dando aula, recebe um telefonema do diretor da Escola Normal Superior, que lhe propõe fazer parte de uma missão universitária no Brasil como professor de sociologia na Universidade de São Paulo, onde leciona de 1935 a 1938. Foi este convite que definiu a vocação etnográfica de Lévi-Strauss. Até 1939, organiza e dirige diversas missões etnográficas no Mato Grosso e no Amazonas: “A etnologia projeta seu objeto entre a psicanálise e o marxismo de um lado e a geologia de outro. Lévi-Strauss descobriu a ciência em que se casam todas as suas paixões anteriores”, escreveu seu biógrafo, Denis Bertholet.
Em 1938, atravessa o estado do Mato Grosso. Parte de Cuiabá a bordo de seu Ford 34. A partir de Diamantino, segue em carro de boi uma linha telegráfica que atravessa o cerrado, um mato de vegetação bastante densa. Encontra os índios nhambiquaras (dos quais faz um alentado relato e 200 fotos), depois os mundé e tupi kawahi, em Rondônia. As missões junto às populações indígenas permitem a Lévi-Strauss reunir os primeiros materiais que constituirão a base de sua tese.
De volta à França, chega a servir na logística militar durante a Segunda Guerra. Durante a ocupação, fica sob o território de Vichy e dá aulas no Liceu de Montpellier. Pouco tempo depois, é demitido por ser judeu. Deixa a França em 1941, para se refugiar em Nova York, lugar então de alta efervescência cultural, onde leciona na New School for Social Research. O encontro com Roman Jakobson, de quem se torna amigo, tornam-se decisivos no plano intelectual. A linguística estrutural dá a Lévi-Strauss os elementos teóricos que faltavam para aprimorar seu trabalho de etnólogo sobre os sistemas de parentesco.
Volta à França em 1944 mas retorna aos Estados Unidos em 1945 para ocupar a função de adido cultural na embaixada francesa. Pede exoneração em1948 para se dedicar ao trabalho científico. Em 1949, torna-se vice-diretor do Museu do Homem, e depois diretor da Escola Prática de Altos Estudos, na cátedra de religiões comparadas de povos ágrafos.
Maturidade
Em 1955, publica o seu livro mais famoso, “Tristes Trópicos”. O livro, mistura de autobiografia, meditação filosófica e testemunho etnográfico, conhece um enorme sucesso de crítica e de público. Inúmeros intelectuais saúdam a publicação da obra, que se afasta da mesmice da etnologia. Com a publicação de sua coleção de antropologia estrutural, em 1958, lança as bases de seu trabalho teórico em matéria de estudo de povos primitivos e seus mitos.
Em 1959, é eleito professor no Collège de France, na cátedra de antropologia social, em que fica até se aposentar, em 1982. Funda, em 1961, com Émile Benveniste e Pierre Gourou, a revista L’Homme, aberta às múltiplas correntes da etnologia e da antropologia. Do começo dos anos 1960 ao início dos anos 1970, dedica-se novamente ao estudo dos mitos, em particular sobre os dos índios das Américas. Em 1973, é eleito para a Academia Francesa.
A partir de 1994, Claude Lévi-Strauss publica menos. Continua, porém, a colaborar regularmente para a revista que fundara. Em 1998, por ocasião de seu 90º aniversário, a revista Critique dedica-lhe um número especial editado por Marc Augé e uma recepção no Collège de France. Lévi-Strauss aborda sem rodeios a velhice e declara: “Há hoje em mim um ‘eu’ real, que é apenas um quarto ou a metade de um homem e um ‘eu’ virtual que conserva ainda uma viva ideia do todo. O ‘eu’ virtual imagina um projeto de livro, começa a organizá-lo em capítulos e diz ao ‘eu’ real: ‘É você que tem de continuar’. E o ‘eu’ real, que não mais está apto, diz ao ‘eu’ virtual: “É sua a tarefa. Só você é que pode ver a totalidade’. Minha vida se desenrola atualmente em meio a esse estranho diálogo”.
Homenagens
Em 28 de novembro de 2008, comemora-se seu centenário, com diversas manifestações na França e no mundo. A Academia Francesa o homenageia, festejando o primeiro acadêmico centenário de sua história. A Biblioteca Nacional organiza um dia de visitação em que as pessoas podem examinar os manuscritos, as passagens, os rascunhos e até a máquina de escrever do antropólogo.
Na época, a ministra francesa de Educação Superior e Pesquisa anunciou a criação de um Prêmio Claude Lévi-Strauss, a ser concedido a partir de 2009 ao melhor pesquisador em história, antropologia, ciências sociais e arqueologia.
A menos de um mês de completar 101 anos, Claude Lévi-Strauss faleceu neste sábado, 31 de outubro de 2009.
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