Por causa de uma foto, Rubén Espinosa perdeu sua vida. E com ela se foi também o último oásis seguro para jornalistas no México: a capital, o DF — como é chamado. Ao longo dos anos, diversos deles se refugiaram na “cidade da esperança” fugindo de ameaças de morte. O assassinato de Rubén e de outras quatro mulheres — duas delas, Nadia Vera e Yesenia Quiroz, militantes e defensoras de direitos humanos — em um apartamento na Cidade do México, mais do que aumentar a já estendida estatística de profissionais mortos, deixa claro aos que ficam que não há mais refúgio. Trabalhar no país que mais mata jornalistas na América Latina agora se tornou ainda mais perigoso.
“Há uma semana, ninguém pensava que matariam um jornalista no DF. Há 10 anos, que haveria pessoas enforcadas em pontes”, diz o jornalista italiano Federico Mastrogiovanni, colaborador de Opera Mundi que vive há seis anos no México e é autor do livro e do documentário “Nem vivos Nem mortos”, que relata o sequestro de milhares de mexicanos como estratégia de terror. Segundo ele, o fato de que Rubén e as outras quatro pessoas foram assassinadas em um ambiente seguro, inevitavelmente gera paranoia. “A cada passo, rompem nossas barreiras de segurança. Nós, jornalistas, convivemos muito, nos ajudamos. Com que tranquilidade vou visitar ou receber colegas ameaçados agora?”, pergunta.
Ele, que nunca chegou a receber ameaças de morte direta pelo trabalho de investigação sobre as redes de crime organizado no país (“somente avisos cifrados”, diz), afirma temer o futuro. “A morte de Rubén é um marco na violência contra a imprensa no México. É fato que, pela minha nacionalidade, acreditava que poderia estar mais protegido. Mas se mataram alguém na capital, possivelmente com o envolvimento da polícia local, já não duvido que matem estrangeiros também”, lamenta.
Reprodução/Mediaset
Assassinato é marco na situação de insegurança para jornalistas no país, diz Mastrogiovanni
Pouco após a descoberta dos corpos, depois de uma intensa busca promovida por colegas depois do desaparecimento de Rubén, autoridades do DF começaram a prestar declarações que sugeriam como motivo das mortes o “roubo” do apartamento. Mesmo com as diversas denúncias feitas pelo fotojornalista antes e depois de abandonar o estado de Veracruz, e um pedido de proteção às autoridades locais, o chefe de governo (prefeito) da capital, Miguel Ángel Mancera, afirmou que se está trabalhando “com todas as linhas de investigação”. O presidente do México, Enrique Peña Nieto, não deu qualquer declaração.
Nadia Vera, militante do #YoSoy132 de Veracruz, também havia recebido diversas ameaças e inclusive afirmou em um vídeo que, caso fosse morta, o responsável seria o governador do estado, Javier Duarte. “A questão é: muito possivelmente não foram sicários de Veracruz que se deslocaram até o DF para assassiná-los, mas pessoas que estão na capital. Pode ter existido um acordo extraterritorial, no coração da administração mexicana, para eliminar um jornalista que incomodava. Isso altera completamente o panorama”, avisa o repórter italiano. “Querem nos amedrontar, gerar pânico. E estão conseguindo”, complementa.
Conforme observa Federico, trabalhar para um meio conhecido como a revista Proceso não tirou Rubén da linha de tiro. Porém, igualmente a situação de precariedade laboral à qual são submetidos os jornalistas que trabalham com o tema da violência contribui para o descaso das autoridades com a série de assassinatos. “Eu, assim como vários, não tenho respaldo de ninguém. Você trabalha pra um jornal, produz boas reportagens, e ninguém dá a mínima para a sua segurança. Por isso também te matam”, sublinha.
El fotógrafo #RubénEspinosa ( #Veracruz ) ha sido encontrado asesinado en el #DF de @ManceraMiguelMX pic.twitter.com/maLPE5ORD8
— Emiliano G L (@emilianogonzale) 2. August 2015
Quem é Duarte
“Veracruz, um estado sem lei”, dizia a capa da Proceso de fevereiro de 2015, estampada com uma foto de Duarte, tirada por Rubén. Nela, o político do PRI (Partido Revolucionário Institucional) de formas avantajadas aparece com um boné da polícia e numa pose que lhe pareceu desfavorável. A reportagem de capa denunciava o assassinato de jornalistas em Veracruz e a cumplicidade de autoridades locais para não resolvê-los.
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Mais do que uma denúncia, saiu aquele dia nas bancas de jornal a sentença de morte de Rubén. “Duarte não gosta que tirem fotos dele e por isso manda matar gente! Por causa dessas fotos ele recebeu ameaças!”, se indigna Mastrogiovanni. O jornalista da Proceso, nascido na capital, cobria há seis anos os acontecimentos em Veracruz, principalmente protestos contra a violência e contra a repressão dos que protestavam. Em sua conta pessoal na rede social Instagram, é possível ver parte do trabalho que produzia. Rubén “se identificava com essa indignação porque buscava mudanças a partir do seu trabalho: se indignava com a insegurança, a violência e as injustiças”, afirmou Araceli González, membro de um coletivo de mães de desaparecidos ao site mexicano Sin Embargo.
#México: La impresionante cuenta de Instagram del fotoperiodista asesinado http://t.co/5cl9ncNCwa #RubénEspinosa pic.twitter.com/up51ynPSb7
— Clases de Periodismo (@cdperiodismo) 2. August 2015
Quase todas as revistas colocadas à disposição em Veracruz foram compradas aos montes por grupos em carros, supostamente a mando de Duarte. Com a publicação dessa edição, Rubén virou um alvo. No começo de junho, foi agredido por homens encapuzados que aproveitaram para tumultuar uma marcha de estudantes em Xalapa, capital do estado. Em seguida, percebeu que desconhecidos o seguiam nas ruas. As ameaças cresceram após participar de um protesto de jornalistas para que uma praça em Xalapa recebesse o nome de outra colega assassinada, Regina Martínez. Depois de sua própria morte, o local se tornou novamente foco de homenagens.
Desde 2011 até hoje, 14 jornalistas foram assassinados em Veracruz — o estado mais letal para o exercício da profissão no México. Desde 2011, Duarte é governador. Um mês antes da morte de Rubén, durante uma coletiva de imprensa, o político — suspeito de ter conexões com o narcotráfico, especialmente com o cartel dos Zetas —, pediu aos jornalistas para que “se comportassem bem” e sugeriu que parte da classe jornalística tem relações com o tráfico de drogas.
Inferno para jornalistas
O México lidera a lista dos países mais perigosos para jornalistas na América Latina, segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras. Somente em 2015, sete foram assassinados. Segundo a organização de proteção e apoio a jornalistas Articulo 19, o caso de Veracruz é, de fato, emblemático. Em relatório, a ONG disse que “jornalistas de diferentes veículos afirmam que a relação com o governo local se complicou sumamente com a chegada do governador Javier Duarte” e que “existe um excessivo controle sobre a informação que circula nos jornais”, em especial a relacionada com temas de segurança pública e delinquência organizada.
O paradoxo, segundo Guillermo Osorno, diretor da página Horizontal.mx, é que o México também é um dos países com mais instrumentos públicos para a proteção da liberdade de expressão. “Temos lei federal, uma delegacia, mecanismos de proteção a jornalistas e uma área especializada na Comissão Nacional de Direitos Humanos”, escreveu após o assassinato de Rubén. “E então, como explicar a alguém de fora a terrível violência contra jornalistas? O problema é o Estado. Cinco de cada dez agressões contra jornalistas são perpetradas por um funcionário público que geralmente trabalha em governos locais”, afirmou, completando: “A indiferença e a impunidade estão gerando zonas de silêncio em todo o país”.
Frente ao aumento dos assassinatos e da falta de proteção, resta aos jornalistas que atuam no México honrar aqueles que se foram e forçar algum tipo de esperança. “Sempre somos os mesmos que vão aos protestos após os homicídios. E a cada vez nos falta um. Há muito desânimo”, lamenta Federico. “Gritamos a consigna “Nem Um Mais” (Ni Uno Más), mas sempre há um mais. Mês que vem iremos de novo chorar por alguém”, prevê.
Em vídeo, governador de Veracruz diz a jornalistas: “Comportem-se bem” (em espanhol)
Para ele, é difícil esperar que exista qualquer levante de indignação, local ou mundial, após o assassinato de Rubén. Federico usa como comparação o ataque terrorista contra a redação da revista francesa Charlie Hebdo, em janeiro deste ano. “Uns loucos matam jornalistas e surge aquela gangue de hipócritas, de governantes europeus, pedindo justiça. Pelo menos tiveram isso. Aqui ninguém saiu publicamente ou foi à marcha. O México não importa. Mesmo que seja o país onde mais se mata jornalistas na América Latina”, ressalta.
E como seguir trabalhando em meio a um cenário tão adverso? Por que seguir denunciando as violações à imprensa, mesmo sabendo que os pedidos de socorro ou serão silenciados ou não terão qualquer efeito? “Sabe quando um barco está à deriva, no meio do oceano, e se insiste em pedir resgate pelo rádio? Essa é a nossa situação hoje. Mesmo que as possibilidades sejam remotas, iremos insistir”, responde Federico. Para ele, a maioria ainda vê seu trabalho como uma missão. “Em minha opinião, somente um boicote econômico internacional mudaria algo. Mas isso é quase impossível…”
No meio da conversa, ele nos interrompe. E anuncia, com tristeza: “um fotógrafo acabou de ser morto, em Tabasco”. Era Adrián Martínez López, de 35 anos, achado com sinais de tortura à beira de um rio.