As semelhanças apontadas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o recém eleito presidente do Peru, Ollanta Humala, não param nos planos de governo apresentados por ambos nas eleições. Para especialistas ouvidos pelo Opera Mundi, o gabinete do nacionalista – que assumiu nesta quinta-feira (28/07) – é muito parecido com o do petista. Segundo eles, Humala parece tentar repetir com seus ministros a mesma estratégia de Lula em seu primeiro mandato: acalmar os empresários e parte da população.
Secretaria de Imprensa do Peru
A presidente Dilma, junto a outros chefe de Estado, compareceu à posse de Humala em Lima
“Há medo entre população e empresários das reformas econômicas mais profundas. No Peru – assim como no Brasil – parece que a esperança está vencendo o medo, mas ela teve de se adequar. Para isso, foram colocados nos cargos de confiança pessoas que representavam partidos políticos que passaram pelo poder anteriormente”, avaliou Ricardo Luigi, mestre em Geografia e vice-diretor do Cenegri (Centros de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais).
Para Luigi, as semelhanças entre a formação do gabinete de Humala e o de Lula em seu primeiro governo são visíveis. “Vejo muitas semelhanças, algumas até negativas”, reforçou. A principal, segundo o pesquisador, estaria no fato de os dois terem optado por nomes que acalmassem os setores mais conservadores da população e, assim, garantissem estabilidade ao governo.
“A partir do momento em que o Humala tenta fazer um governo de coalizão para aumentar sua governabilidade ele afasta os ‘fantasmas’ de uma grande reforma de esquerda. Ao mesmo tempo em que isso é positivo, pois dá uma estabilidade política e uma seguridade econômica no Peru, também traz o problema do excesso de ‘fatiamento’ dos cargos”, explicou.
Efe
O ministro das Relações Exteriores do Peru, Rafael Roncagliolo, foi desde a adolescência dirigente da DC (Democracia Cristã)
O problema citado por Luigi diz respeito a ministros que antes desempenhavam importantes funções nos governos de Alan García ou até mesmo de Alberto Fujimori. Segundo ele, tal processo tem recebido o nome de “Frankstein” por analistas peruanos, em alusão ao cientista que cria um ser a partir de várias partes de cadáveres.
“(Frankstein) seria um gabinete com muitas tendências políticas e com cargos sendo dados para que todas elas ficassem satisfeitas. Por conta disso, há também a questão da (possível) manutenção da política econômica ortodoxa que já estava sendo praticada por García”, complementou.
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Por fim, o pesquisador afirmou que o presidente peruano deverá investir forte contra a corrupção. As medidas econômicas, no entanto, não deverão trazer grandes mudanças nos próximos anos no país, segundo Luigi.
Quem é quem
No Peru, fontes consultadas pelo Opera Mundi preferem “ver e esperar” o desempenho dos ministros de Humala, embora destaquem a força do chanceler Rafael Roncagliolo; do ministro de Justiça, Francisco Eguiguren, e o de Minas e Energia, Carlos Herrera Descalzi.
Um administrador de fundos de inversão latino-americanos, que pediu que seu nome não fosse revelado, expressou uma preocupação em relação ao novo ministro de Economia, Miguel Castilla: “É um dos mais de 100 economistas peruanos que tem doutorado, mas lhe falta um pouco de gestão política para enfrentar as demandas dos atores políticos e saber lidar com as aparições no Congresso. Espero que aprenda rapidamente”, afirmou.
Castilla é um dos nomes que mostram a presença de governos anteriores na atual gestão peruana. Nos últimos dois anos, foi vice-ministro da Fazenda do ministério de Economia e Finanças. Iniciou sua carreira como economista em uma entidade encarregada das privatizações de empresas públicas (Copri) em 1992, no início do governo de Fujimori. Consultado pelo Opera Mundi, o sociólogo Fernando Rospigliosi descreveu Castilla como um “funcionário com antecedentes recomendáveis”.
Rafael Roncagliolo, novo ministro de Relações Exteriores, foi desde a adolescência dirigente da DC (Democracia Cristã, hoje um partido extinto). Era um político nato desde jovem. Viajou muito e teve relação com a DC internacional e seus líderes no Chile, El Salvador e Venezuela.
A experiência também pesou na escolha de Lula pelo diplomata Celso Amorim. Ele assumiu a pasta das Relações Exteriores durante os dois governos do brasileiro. Iniciou a carreira no Itamaraty e no governo de Fernando Henrique Cardoso já havia se destacado a ponto se ser escolhido como representante permanente do Brasil na ONU (Organização das Nações Unidas). Posteriormente, foi eleito presidente do Conselho de Segurança.
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Já Salomon Lerner Ghitis, hoje presidente do Conselho de Ministros e ex-chefe de campanha de Humala, é um empresário que foi presidente da Corporação Financeira de Desenvolvimento durante o governo de Alejandro Toledo. É um homem de negócios que abertamente intervém em política desde o governo militar na década de 1970.
O cargo hoje ocupado por Ghitis equivale ao de ministro-chefe da Casa Civil no Brasil. Se Humala escolheu alguém de extrema confiança para o cargo, Lula, em 2002, teve a mesma atitude. O nomeado para a Casa Civil, à época, foi José Dirceu. Assim como Lula, Dirceu ajudou a fundar o PT, na década de 1980. Além disso, coordenou a campanha eleitoral de Lula em 2002 e foi o líder da coordenação política do governo de transição.
De acordo com o sociólogo Santiago Pedraglio, personagens como o engenheiro Herrera Descalzi, Roncagliolo e o advogado Eguiguren são profissionais com peso próprio, que chegaram ao gabinete por seu perfil.
As semelhanças com a formação do gabinete de Lula entretanto são claras.
Pastas importantes para Lula e Humala
Minas e Energia terá papel-chave no Peru devido à grande quantidade de conflitos sociais, originados pela tensão entre as indústrias extrativas e as comunidades locais. O novo ministro, Herrera Descalzi, é um dos profissionais com maior conhecimento técnico sobre as negociações de contratos de exportação de gás natural. Ele assumiu a pasta durante o governo de transição de Alberto Paniagua, logo depois da crise política de corrupção e da fuga do país de Fujimori.
Quando Lula assumiu, a pasta de Minas e Energia também requisitava uma atenção especial. Prova disso foi a escolha de Dilma Rousseff, hoje presidente do país, para o cargo de ministra. Com ampla experiência no setor, a economista também integrou a equipe de transição do governo e, no mandado seguinte, ocupou o cargo na Casa Civil.
Humala manteve Julio Velarde na presidência do Banco Central. Para Pablo Secada, economista e vereador de Lima, Velarde “é um dos peruanos que mais sabe de política monetária no mundo”. O economista indicou que os agentes econômicos se tranquilizaram com a continuidade de Velarde no cargo.
A escolha de Humala lembra muito a decisão que Lula tomou no início de seu governo. Henrique Meirelles foi o escolhido para o Banco Central. O engenheiro tinha à época um grande destaque no mercado internacional e havia sido eleito deputado federal pelo PSDB em Goiás. Graças ao currículo de Meirelles, os empresários e os outros setores brasileiros que temiam pelo governo de Lula ficaram mais calmos.
A designação do militar aposentado Daniel Mora para o Ministério da Defesa é a única posição conquistada pelo partido de Alejandro Toledo, Peru Possível, no gabinete. Para Fernando Rospigliosi, nem Mora nem o titular do Interior, Oscar Valdes, são boas decisões. “Valdes não tem conhecimento de segurança pública nem de narcotráfico e o critério de escolha foi muito ruim.”
Ricardo Giesecke, novo ministro de Meio Ambiente, é físico e especialista em resíduos sólidos. Esta é outra pasta fundamental para o governo, já que deverá cumprir novas funções de fiscalização do meio ambiente, antes espalhadas por diversas entidades.
Há três mulheres ministras no gabinete de Humala: uma delas com uma longa trajetória na promoção cultural e simpática a grupos de esquerda, Aida Garcia Naranjo, responsável pela pasta da Mulher e Desenvolvimento Social. Naranjo Garcia tornou-se uma das principais porta-vozes para Ollanta Humala no segundo turno em abril e maio passados. Com diploma em Educação, atuou como consultora de projetos para a igualdade de gênero em ONGs.
A nova ministra da Educação, Patrícia Salas, foi presidente do Conselho Nacional de Educação e é uma especialista em educação básica, primária e secundária. É essencialmente uma pesquisadora e especialista em políticas públicas em educação.
Uma das últimas designadas foi a artista Susana Baca para a pasta de Cultura. Nos anos 1980, ela deixou o cargo de professora para se tornar cantora. Posteriormente, Baca tornou-se embaixadora da Unicef e é uma defensora dos direitos afroperuanos.
Assim como Humala, Lula decidiu por um cantor para o Ministério da Cultura. Gilberto Gil, que já era ídolo da música nacional, foi o escolhido e ficou durante cinco anos e meio no cargo. Saiu para dedicar-se à carreira artística.
Lula também optou por três mulheres em seu gabinete de ministros. Além de Dilma Rousseff, Marina Silva entrou para o Ministério do Meio Ambiente e Benedita da Silva tornou-se ministra da Assistência e Promoção Social.
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