Severo, há apenas três meses em São Paulo, pretende permanecer por um ano na capital paulista. Entende português com muita dificuldade e tem vontade de aprender o idioma mas, para isso, espera sua situação ser regularizada. Ele mora e trabalha na rua Coimbra, no bairro do Bresser, em São Paulo. A rua, que parece ser um pedaço da Bolívia da cidade, caracterizada pelas “peluquerias”(cabeleireiros em espanhol), o restaurante La Paz, a venda de produtos andinos e serviço de entrega de encomenda para países vizinhos, recebe outros imigrantes em situação irregular.
“Peluqueria”, ou salão de beleza, no Bresser
Oportunidades de trabalho para quem chega não faltam: lá, murais em restaurantes e pensionatos trazem anúncios de emprego para estrangeiros. A maior parte deles é para empregada doméstica e costureiro, que se tornou a profissão de Ovidio. Ele, que veio de La Paz com a mulher, mora em Guarulhos e trabalha no Brás. Atualmente, trabalha nove horas por dia, porém, quando chegou, conta que a jornada era muito mais longa, pois não sabia costurar.
Segundo Luis Vasquez, o presidente da AMRC (Associação de Moradores Bolivianos da rua Coimbra), a tradição boliviana não é a costura, mas eles acabam aprendendo. Também boliviano, ele critica a maneira como o trabalho dos imigrantes é tratado. “Aparece muito jornalista aqui para mostrar que somos escravos de confecção. Existe, mas não é só isso. Tem confecção onde o trabalho é normal e tem outros trabalhos também”.
Vasquez conta que é muito comum bolivianos virem para o Brasil procurar emprego. “Quando a pessoa faz 18 anos, é normal. É como sair de casa e aprender a se virar”.
Severo também era cabeleireiro em La Paz e veio para São Paulo já com emprego arrumado, pois tinha contato com algumas pessoas que moravam aqui. “Tem muitos que vêm para trabalhar em confecção, mas isso é ruim. Lá, a gente não vê o mundo. Eu vim para fazer outra coisa”, disse.
O equatoriano Alan e a boliviana Marina vendem lenços e cerâmica de seus países no bairro da Liberdade. O motivo que trouxe os dois ao Brasil é o mesmo. Aqui, os próprios brasileiros compram seus produtos, e lá não há turistas ou pessoas que se interessem por isso. Ovidio não tinha emprego fixo na Bolívia, e considera a situação hoje melhor. “Aqui tem teto, comida e trabalho. Lá é só trabalho e é difícil ter trabalho”, conta.
Nas oficinas de costura da região, o pagamento geralmente é feito por peça produzida e o valor varia de 50 centavos a um real. Cada pessoa, que já sabe manusear as máquinas, pega um lote de 500 peças para um período de sete a 15 dias. Na Bolívia, o salário é de, em média, 100 bobs (moeda boliviana). Um terço dos habitantes do país, porém, vive com menos de 30 bobs por mês, e outro terço com valores entre 31 e 60, de acordo com relatórios de organismos internacionais.
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Brasil, destino certo para imigrantes
Chen não gosta muito de falar porque veio para o Brasil. Paula, sua amiga brasileira, diz que lá ele morava com três irmãos na cidade de Nanquim e trabalhava em uma fábrica de peças automotivas. “Ele tinha trabalho, a cidade dele é boa, é capital, mas paga muito mal, mora muito mal”.
Em 2005, resolveu fugir para o Brasil, numa viagem que durou 15 dias. “Ele disse que o irmão dele conhecia uma pessoa que trazia gente para o Brasil. Mesmo se a pessoa não tivesse dinheiro, não tinha problema, podia pagar quando chegasse aqui. Ele trabalhou até pagar: dois anos”.
Paula conta que ele nunca mais ligou para a família porque tem muito medo de ser levado embora. “Para os que ficaram, era ruim. Ele sempre fala que nunca ia conseguir viver lá”. A “amiga” de Chen é filha de imigrantes chineses, donos da pastelaria onde ele trabalha há um ano e meio.
Chen convive pouco com brasileiros. Segundo Paula, ele só sai quando vai ao médico. “Nem acompanhar a gente no supermercado ele vai. Tem tanto medo que ele pensa em ir morar no interior. Mas agora, se ele ganhar documento, não vai mais precisar e vai poder ficar”.
Para o boliviano Severo, o medo não é tão grande a ponto ter medo de sair. O cabeleireiro diz que nos dias de folga, aos domingos e segundas-feiras, ele sai para conhecer a região. São Paulo, para ele, é um lugar bonito e agradável, mas muitas vezes ele não é bem tratado pelos brasileiros. “Eu vou em lojas em que as pessoas não querem que eu entre porque acham que eu vou roubar”.
Apesar das dificuldades, muitos imigrantes ilegais já estão integrados à sociedade. O que todos esperam agora é regularizar a situação no Brasil e deixar o medo e ameaças de lado, como aconteceu com Cristian, um boliviano que tirou os documentos com a anistia de 1998, ano em que ele chegou ao Brasil. Hoje, o imigrante, que chegou aqui com visto de turista, tem uma pequena loja de roupas no centro de São Paulo e vai a Santa Cruz de La Sierra todos os anos visitar a família.
*Texto e foto. Os entrevistados estão identificados apenas pelo primeiro nome para preservá-los de eventuais inconvenientes
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