O presidente cubano Miguel Díaz-Canel, em discurso na 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), nesta quinta-feira (23/09), afirmou que um “perigoso cisma global” está sendo promovido e instigado com a liderança dos Estados Unidos.
“Com o uso pernicioso e o abuso de medidas de coerção econômica, que se tornaram um instrumento central da política externa dos Estados Unidos, o governo daquele país ameaça, extorque e pressiona nações soberanas a se manifestarem e agirem contra aqueles que identifica como adversários”, declarou Díaz-Canel, afirmando que o país norte-americano usa o termo “comunidade internacional” para definir um pequeno grupo de países aliados, que exclui “a grande maioria dos países desta organização”.
Díaz-Canel defendeu que o comportamento hostil dos EUA está associado com a intolerância ideológica e cultural, marcada pelo racismo. “Hoje estamos testemunhando práticas políticas inaceitáveis no contexto internacional que vão contra o compromisso universal de defender a Carta das Nações Unidas, incluindo o direito soberano à autodeterminação”, declarou.
Na ocasião, o cubano lembrou também que o governo norte-americano “não parou um minuto seus ataques contra Cuba” por mais de 60 anos, sendo que o “mais cruel e prolongado bloqueio econômico, comercial e financeiro” se intensificou de forma “oportunista e criminosa” durante a pandemia da covid-19.
“O atual governo democrata mantém em vigor sem mudanças as 243 medidas coercitivas adotadas pelo governo de Donald Trump, incluindo a incorporação de Cuba à lista espúria e imoral de países supostamente patrocinadores do terrorismo”, disse o mandatário, acrescentando que “eles fizeram de tudo para apagar a Revolução Cubana do mapa político do mundo”, não aceitando alternativas ao modelo que querem “para seu quintal”.
O presidente de Cuba falou ainda sobre uma “guerra não convencional” na qual os EUA dedicam “pública e notoriamente fundos milionários” para campanhas de manipulação e mentiras para “projetar interna e externamente uma imagem absolutamente falsa da realidade cubana” e desestabilizar o país.
Durante seu discurso, Díaz-Canel também agradeceu o apoio de governos, povos, amigos, e comunidade cubana no exterior, que, segundo ele, “enaltece os valores da humanidade e a cooperação internacional incondicional e sem interferências”.
Covid-19
Foram mais de 4.900 colaboradores cubanos em 57 brigadas médicas enviados para 40 países afetados pela covid-19, destacou o socialista. “Os consagrados trabalhadores da saúde não descansaram um minuto na luta contra a pandemia dentro e fora de Cuba”, declarou.
Ele disse que a nação cubana também se orgulha de sua comunidade científica que produziu, “em meio a enormes carências”, três imunizantes e dois outros projetos de vacinas contra a covid-19.
“Graças ao apoio de nossas mulheres e homens de ciência e do pessoal da saúde, nos primeiros dez dias deste mês, foram administradas mais de 15,8 milhões de doses das vacinas Abdala, Soberana 02 e Soberana Plus, e 37,8 % da população cubana havia completado o esquema de vacinação”, disse o presidente, afirmando que o governo espera imunizar totalmente a população até o final de 2021.
À comunidade internacional, o mandatário reforçou a aspiração de se alcançar a independência da América Latina em busca de uma região social e economicamente integrada.
O presidente disse ainda que as Nações Unidas não podem ignorar a lição no Afeganistão. “Foram duas décadas de ocupação, com saldo de milhares de mortos, 10 milhões de desabrigados e bilhões de dólares gastos, (…) para chegar à conclusão de que não há como evitar nem combater o terrorismo com bombas”, declarou, concluindo que o Afeganistão “não é um caso isolado”.
“Foi demonstrado que onde os Estados Unidos intervêm, aumentam a instabilidade, as mortes, o sofrimento e as cicatrizes duradouras permanecem”, afirmou.
Diaz-Canel/Twitter
Presidente cubano defendeu ‘um futuro em que as aspirações de nossos povos possam ser realizadas’
Leia o discurso na íntegra:
Senhor Secretário-General:
Senhor Presidente:
Vivemos tempos incertos, sob o impacto devastador de uma pandemia que exacerbou as desigualdades estruturais e a crise global, o papel do multilateralismo e das Nações Unidas são cada vez mais importantes e a cooperação internacional tem sido insuficiente.
A aplicação de receitas neoliberais por décadas reduziu a capacidade dos Estados de atender às necessidades de suas populações. Os mais vulneráveis ficaram desprotegidos, enquanto as nações ricas, as elites e as multinacionais farmacêuticas aumentam seus lucros.
Unir esforços e vontades para o bem da humanidade, hoje não é apenas urgente, é moralmente impostergável.
Mais de 4,5 milhões de pessoas morreram em decorrência da pandemia que piorou as condições de vida no planeta. Suas consequências e impactos em todas as sociedades hoje são incalculáveis, mas já se sabe que não serão de curta duração. Isso é afirmado no Relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2021; enquanto a Organização Internacional do Trabalho prevê que em 2022 haverá 205 milhões de desempregados no mundo. À vista de todos, já está seriamente comprometido o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de erradicar a pobreza até 2030; data para a que é projetada uma taxa global de pobreza de 7 por cento, ou seja, cerca de 600 milhões de pessoas.
Nesse contexto desolador, as vacinas contra a covid 19 foram a esperança. Mais de 5 bilhões de doses foram administradas globalmente, até agosto de 2021. No entanto, mais de 80% delas foram aplicadas em países de renda média ou alta, cujas populações representam muito menos da metade dos habitantes do planeta. Centenas de milhões de pessoas em países de baixa renda ainda estão esperando por sua primeira dose e nem mesmo podem estimar se algum dia a receberão.
Enquanto isso está acontecendo, é inconcebível que em 2020 o gasto militar mundial fosse quase de dois trilhões de dólares americanos. Quantas vidas teriam sido salvas se esses recursos tivessem sido usados para a saúde ou para a produção e distribuição de vacinas? As respostas possíveis a esta questão passam por uma mudança de paradigma e transformam uma ordem internacional profundamente desigual e antidemocrática, que coloca o egoísmo e os mesquinhos interesses de uma minoria antes das legítimas aspirações de milhões de seres humanos.
Não nos cansaremos de repetir que o desperdício de recursos naturais e os padrões irracionais de produção e consumo do capitalismo, predadores do meio ambiente e causa das mudanças climáticas, que ameaçam a existência da espécie humana, devem cessar. O esforço deve ser coletivo, mas os países desenvolvidos têm a obrigação moral de assumir a maior responsabilidade, pois são eles os principais responsáveis pela situação atual e têm os recursos para fazê-lo.
Devemos lutar para que prevaleçam a solidariedade, a cooperação e o respeito mútuo, se queremos dar uma resposta eficaz às necessidades e desejos de todos os povos e preservar o que há de mais valioso: a vida humana e a dignidade. Nossos povos têm direito a viver em paz e segurança, ao desenvolvimento, ao bem-estar e à justiça social. Uma Organização das Nações Unidas revitalizada, democratizada e fortalecida é chamada a desempenhar um papel central neste esforço.
Senhor Presidente:
Sob a liderança e com a instigação permanente dos Estados Unidos, um perigoso cisma internacional está se promovendo.
Com o uso pernicioso e o abuso de medidas de coerção econômica, que se tornaram um instrumento central da política externa dos Estados Unidos, o governo daquele país ameaça, extorquia e pressiona os Estados soberanos a se manifestarem e agirem contra aqueles que identifica como adversários. Exige que seus aliados construam coalizões para derrubar governos legítimos, violar compromissos comerciais, abandonar e banir certas tecnologias e aplicar medidas judiciais injustificadas contra cidadãos de países que não se submetem a elas.
Costuma usar o termo «comunidade internacional» para definir o pequeno grupo de governos que acompanha, sem nunca questionar, a vontade de Washington. O resto dos países, a grande maioria desta Organização, parece que não temos lugar na definição de «comunidade internacional» que os Estados Unidos defendem.
É um comportamento associado à intolerância ideológica e cultural, com marcada influência racista e propósitos hegemônicos. Não é possível nem aceitável que o direito ao desenvolvimento econômico e tecnológico de uma nação seja identificado como uma ameaça; visto que não é possível questionar o direito de cada Estado de desenvolver o sistema político, econômico, social e cultural soberanamente escolhido por seu povo.
Em suma, hoje estamos testemunhando práticas políticas inaceitáveis no contexto internacional que vão contra o compromisso universal de defender a Carta das Nações Unidas, incluindo o direito soberano à autodeterminação.
Estados independentes e soberanos estão sendo conduzidos sob múltiplas pressões para se subordinarem à vontade de Washington e a uma ordem baseada em suas regras inconstantes.
Senhor Presidente:
Por mais de 60 anos, o governo dos Estados Unidos não parou um minuto em seus ataques contra Cuba, mas neste momento crucial e desafiador para todas as nações, sua agressividade ultrapassa os limites.
O mais cruel e prolongado bloqueio econômico, comercial e financeiro que já foi aplicado contra qualquer nação, intensificou-se de forma oportunista e criminosa em meio à pandemia; e o atual governo democrata mantém em vigor sem mudanças, as 243 medidas coercitivas adotadas pelo governo de Donal Trump, incluindo a incorporação de Cuba à lista espúria e imoral de países supostamente patrocinadores do terrorismo.
É neste contexto que se lança uma guerra não convencional contra o nosso país, à qual o governo dos Estados Unidos dedica pública e notoriamente fundos multimilionários, através de campanhas de manipulação e mentiras, que utilizam as novas tecnologias da informação e outras plataformas digitais para projetar interna e externamente uma imagem absolutamente falsa da realidade cubana, semear confusão, desestabilizar, desacreditar o país e justificar a doutrina da mudança de regime.
Eles fizeram de tudo para apagar a Revolução Cubana do mapa político do mundo. Não aceitam alternativas ao modelo que imaginam para seu quintal. Seu plano é perverso e incompatível com a democracia e a liberdade que defendem.
Mas nossos inimigos devem ter claro que não entregaremos a Pátria e a Revolução que várias gerações de patriotas nos deixaram de pé.
Hoje quero reiterar perante a respeitável e real comunidade de nações que todos os anos quase unanimemente vota contra o bloqueio o que expressou o general-de-exército Raúl Castro há alguns anos e passo a citar: «Cuba não tem medo de mentiras nem se ajoelha sob pressões, condições ou imposições, venham de onde vierem… ».
Senhor Presidente:
Os desafios colossais não nos assustam. Continuamos criando para Cuba. Praticamos a solidariedade abnegada com aqueles que precisam de nosso apoio e também a recebemos com gratidão de governos, povos, amigos e da comunidade cubana no exterior. Aproveito para agradecer a todos pelo apoio neste momento, que enaltece os valores da humanidade e a cooperação internacional incondicional e sem interferências.
Ao mesmo tempo, em resposta às solicitações recebidas e orientada por sua profunda vocação à solidariedade e ao humanismo, Cuba enviou mais de 4.900 colaboradores, organizados em 57 brigadas médicas, a 40 países e territórios afetados pela COVID-19.
Os consagrados trabalhadores da saúde não descansaram um minuto na luta contra a pandemia dentro e fora de Cuba. São as mesmas pessoas que saíram às ruas para ajudar o povo haitiano após o devastador terremoto de algumas semanas atrás. São aqueles que viajam do lugar mais remoto a uma província cubana e, sem tirar o pó da estrada, vão dar sua experiência e conhecimento à missão de salvar vidas. Eles são muito mais do que heróis do dia-a-dia, orgulho de nossa nação e símbolos de sua vocação para a justiça. Dezenas de personalidades e milhares de pessoas assinaram sua candidatura ao Prêmio Nobel da Paz.
Também nos orgulhamos da comunidade científica cubana que, em meio a enormes carências, criou três vacinas e duas vacinas candidatas contra a COVID-19. Representam a concretização da ideia do Comandante-em-Chefe da Revolução Cubana que afirmou em 1960 que «o futuro de nosso país deve ser necessariamente um futuro de homens de ciência …»
Graças ao apoio de nossas mulheres e homens de ciência e do pessoal da saúde, nos primeiros dez dias deste mês, foram administradas mais de 15,8 milhões de doses das vacinas Abdala, Soberana 02 e Soberana Plus, e 37,8 por cento da população cubana havia completado o esquema de vacinação. Aspiramos a imunizar totalmente a população até o final de 2021, o que nos permitirá avançar no combate ao surto da pandemia.
Senhor Presidente:
Ratificamos a aspiração de independência total para Nossa América e de fazer parte de uma região latino-americana e caribenha econômica e socialmente integrada, capaz de defender o compromisso da Proclamação da América Latina e do Caribe como Zona de Paz contra as pretensões de reimpor a Doutrina Monroe e a dominação neocolonial.
Nos opomos às tentativas de desestabilizar e subverter a ordem constitucional e a união cívico-militar e destruir o trabalho iniciado pelo Comandante Hugo Chávez Frías e continuado pelo presidente Nicolás Maduro Moros em favor do povo venezuelano. Ratificamos que a República Bolivariana da Venezuela contará sempre com a solidariedade de Cuba.
Reiteramos nosso firme apoio ao irmão povo nicaraguense e seu Governo de Reconciliação e Unidade Nacional, liderado pelo Comandante Daniel Ortega, que defendem com coragem e dignidade suas conquistas, diante das ameaças e ingerências do Governo dos Estados Unidos.
Acompanhamos as nações do Caribe em sua demanda por justas reparações pelos horrores da escravidão e do tráfico de escravos. Apoiamos o seu direito a um tratamento justo, especial e diferenciado; indispensável para enfrentar os desafios derivados da mudança climática, dos desastres naturais, do sistema financeiro internacional injusto e das difíceis condições impostas pela pandemia da Covid-19.
Reafirmamos que o povo irmão de Porto Rico deve ser livre e independente, depois de mais de um século submetido ao domínio colonial.
Somos solidários à República da Argentina em sua legítima reivindicação de soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul e os espaços marítimos circundantes.
Reiteramos nosso compromisso com a paz na Colômbia. Estamos convencidos de que uma solução política e o diálogo entre as partes é o caminho para o consegui-la.
Exigimos também a cessação da ingerência externa na Síria e o pleno respeito por sua soberania e integridade territorial, ao mesmo tempo em que apoiamos a busca de uma solução pacífica e negociada para a situação imposta a essa nação irmã.
Exigimos uma solução justa, ampla, integral e duradoura para o conflito no Oriente Médio, que envolve o fim da ocupação israelense dos territórios palestinos usurpados e o exercício do direito inalienável do povo palestino de construir seu próprio Estado dentro das fronteiras anteriores a 1967, com sua capital em Jerusalém Oriental.
Condenamos as medidas coercivas unilaterais impostas à República Islâmica do Irã.
Reafirmamos nossa solidariedade invariável para com o povo saharaui.
Condenamos veementemente as sanções unilaterais e injustas contra a República Popular Democrática da Coreia.
Reiteramos nosso apoio inabalável ao princípio «Apenas uma China» e nos opomos a qualquer tentativa de prejudicar a integridade territorial e a soberania da República Popular da China, bem como a interferência em seus assuntos internos.
Rejeitamos a intenção de estender a presença da OTAN às fronteiras da Rússia, a ingerência em seus assuntos inerentes à sua soberania e a imposição de sanções unilaterais e injustas contra ela.
Exigimos o fim da ingerência estrangeira nos assuntos internos da República da Bielorrússia e reiteramos a nossa solidariedade para com o Presidente Alexander Lukashenko e o irmão povo bielorrusso.
As Nações Unidas não podem ignorar a lição no Afeganistão. Foram duas décadas de ocupação, com saldo de milhares de mortos, 10 milhões de desabrigados e bilhões de dólares em gastos, que se transformam em lucros do complexo militar-industrial, para chegar à conclusão de que não há como evitar nem combater o terrorismo com bombas, que a ocupação só deixa destruição, e que nenhum país tem o direito de impor sua vontade às nações soberanas. O Afeganistão não é um caso isolado. Foi demonstrado que onde os Estados Unidos intervêm, aumentam a instabilidade, as mortes, o sofrimento e as cicatrizes duradouras permanecem.
Senhor Presidente:
Ratificamos a determinação de Cuba de continuar apresentando com clareza suas verdades, por mais que alguns se incomodem, de defender os princípios e valores em que acreditamos, de apoiar as causas justas, enfrentar os abusos, como temos enfrentado a agressão estrangeira, o colonialismo, o racismo e o apartheid, e lutar incansavelmente por mais justiça, prosperidade e desenvolvimento de nossos povos que merecem um mundo melhor.
Muito obrigado.
(*) Com Granma.