Esta não é uma história de bruxos ao estilo Harry Potter, em que a fantasia e a ficção são os ingredientes principais. É uma história real, mas os feiticeiros e xamãs são os protagonistas, ao lado de personagens renomados e importantes da classe política mexicana.
Depois de dois anos de árdua pesquisa, o jornalista mexicano José Gil Olmos conseguiu documentar e confirmar histórias que por muitos anos circularam entre a população como simples boatos e especulações: políticos são adeptos da magia negra e recorrem a ela para tomar decisões que influenciam a vida dos mexicanos.
As revelações foram recebidas com surpresa e indignação por personagens como a ex-primeira-dama Martha Sahagún, esposa de Vicente Fox. Segundo a pesquisa de Olmos, ela teria envenenado o futuro marido com poções bizarras para conseguir se casar. Responsável pelo contato com a imprensa durante a campanha eleitoral, Martha pertencia ao círculo íntimo do então candidato e mantinha uma relação sentimental com ele.
Após a posse, passou a morar numa residência dentro do território de Los Pinos, onde fica a residência oficial. Após conquistar o presidente e colocar no dedo a aliança, teria aberto as portas da residência oficial para os bruxos, para abençoar um projeto político e tentar se transformar na primeira mulher presidente do país.
Outro caso trata de uma líder sindical que, segundo Olmos, viajou para a África para se submeter a um ritual de magia negra no qual foi coberta com a pele de um leão sacrificado. E o ex-presidente Carlos Salinas teria contratado sacerdotes do vudu haitiano para emplacar seu candidato preferido à sucessão. São histórias que falam de predileções pessoais, mas que, ao transcender a vida privada e afetar a vida pública do país, transformam-se em assuntos relevantes para todos os mexicanos.
Los Brujos del Poder tornou-se um best-seller no México e já gerou uma continuação, lançada recentemente. No livro novo, Olmos – que cobriu conflitos como a rebelião zapatista e as guerrilhas de Oaxaca – trata de casos de esoterismo e magia negra tanto entre os conservadores quanto na esquerda mexicana, envolvendo tanto a atual presidente do PRI (partido que se manteve no poder por 70 anos) quanto o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, candidato derrotado à presidência.
Por que escrever sobre um tema que pode parecer pouco sério?
Nós, mexicanos, somos profundamente crentes e muito místicos. Somos um povo formado a partir de duas culturas fortemente religiosas: a do catolicismo espanhol e a nativa. Desde a época dos maias e astecas, havia um sistema de governo teocrático: os sacerdotes é que governavam. Somos produtos de tudo isso. O México é um povo profundamente devoto da Virgem de Guadalupe, mas também da Santa Morte. A mesma pessoa crê no Menino Jesus e em Jesús Malverde, o santo dos narcotraficantes. Temos bruxos, xamãs e convivemos todo dia com este surrealismo. No México, o surrealismo é vida, e é totalmente certo. Se isto ocorre em âmbito geral e popular, reflete-se muito mais na classe política.
Que dificuldades você enfrentou ao escrever sobre um tema tão delicado?
Durante a investigação, persegui três objetivos: primeiro, não me intrometer na vida privada de meus personagens – e consegui, porque o livro narra unicamente as passagens sobre o gosto esotérico dos políticos relacionadas com o exercício do poder. O segundo objetivo foi não me limitar à anedota, ao rumor ou à fofoca, e por isso cada um dos casos que abordo nos dois livros foi totalmente corroborado por documentos, muito material bibliográfico e jornalístico e, sobretudo, testemunhos de primeira mão de pessoas que presenciaram cada uma das histórias que conto. Finalmente, procurei produzir um documento histórico que ajude a entender este México atual. É importante mencionar que, passado um ano desde a publicação do primeiro livro, não recebi um só desmentido de nenhum de meus personagens, e tampouco houve ações na Justiça.
O que você encontrou na pesquisa?
Deparei-me com 100 anos de governos nos quais, independentemente da tendência ideológica, os políticos mexicanos recorreram aos bruxos, xamãs e videntes nesta necessidade de se reafirmar no poder. Os primeiros presidentes surgidos da Revolução Mexicana buscaram no espiritismo um guia para governar um país sob completo desastre. Temos os casos de Francisco Madero e de Plutarco Elías Calles. Depois que a a revolução foi institucionalizada e nasceu o PRI (Partido da Revolução Institucional, que esteve no poder de 1929 a 2000), presidentes como Miguel Alemán começam a procurar os bruxos de Catemaco e transformam estes personagens em assessores espirituais. O curioso é que, quando o PRI saiu do poder, percebi que, longe de desaparecer, esta espécie de tradição se consolidou ainda mais. Os panistas (do PAN, Partido Ação Nacional, atual governista), com uma formação católica e conservadora, também se encantam com a bruxaria. É uma espécie de new age, pois eles misturam o bruxo, o xamã, os anjos e temas como os “maias galáticos”.
O gosto dos políticos mexicanos pelo esoterismo reflete o tipo de sociedade do país ou é apenas parte de uma condição humana?
Creio que são ambas as coisas. Uma das conclusões a que cheguei desde o primeiro livro é que, no México, isso acontece mais porque vivemos uma crise política, econômica, financeira, de família, de casal, de valores muito forte. O que tratamos então de buscar é algo em que nos agarrar, alguém em quem acreditar. E são esses os momentos em que mais nascem os messias ou profetas e também as novas religiões. No México, há um predomínio da Igreja Católica, mas também já existe uma infinidade de religiões que fazem muito sucesso. O caso de Martha Sahagún, a esposa do ex-presidente Vicente Fox, é um exemplo. É uma mulher profundamente religiosa, foi tesoureira dos Legionários de Cristo durante oito anos, quatro de seus tios eram sacerdotes católicos. Ela foi criada em escolas conservadoras e católicas e, no entanto, acredita na bruxaria e a pratica. Pagou um curandeiro em 2000 para fazer um trabalho de feitiçaria porque queria se casar com Fox e reforçar seu projeto político, pois queria ser a primeira presidente do México.
Quando confirmei estas histórias, descobri também que a mulher fazia tudo isso na frente do Estado Maior Presidencial (EMP), uma instituição do Exército criada pelo general Lázaro Cárdenas para proteger o presidente. Quando o EMP perguntava à senhora Sahagún o que ela colocava nas bebidas do presidente, ela respondia, de um modo genial, que eram suas vitaminas. Imagine: o presidente mais errático do México estava muito “vitaminado” por sua esposa. E é aí que vemos que algo particular e privado transcende para o público.
Reside aí a importância desta pesquisa?
Sim. O livro retrata o título de um filme ítalo-iugoslavo muito antigo que se chamava Vícios Privados, Virtudes Públicas (Vizi Privati, Pubbliche Virtù, 1976, do húngaro Miklós Jancsó), no qual eram retratados os vícios privados da família habsburgo. No México, vemos exatamente o mesmo: como estes vícios privados se transformam em uma enorme virtude pública. Como os governantes utilizam os recursos públicos para esse tipo de prática. O que procurei foi refletir uma parte da vida da classe política mexicana, da qual já sabíamos muitas coisas. Acontece que não havia sido feita uma investigação jornalística baseada em fontes bibliográficas e da imprensa, e em testemunhos ou arquivos históricos, para apresentar o material como é: um fato. Apenas descrevo um fato.
Qual, de todas as histórias, parece mais perigosa pelas consequências políticas que representou para o país?
Creio que um dos casos mais graves é o do ex-presidente José López Portillo. Ele dizia ser a reencarnação do deus Quetzalcóatl. Sua esposa acreditava na reencarnação. Sua irmã afirmava ser bruxa. Havia um ambiente totalmente esotérico em tudo que o rodeava. Existe uma história que parece completamente inacreditável, contada por uma escritora que se chama Ema Godoy e era amiga de Margarita López Portillo, a irmã, e que dá vontade de rir. Ela diz que Margarita realizava sessões de bruxaria, mas também sessões onde supostamente se apresentavam seis extraterrestres que diziam ao presidente como governar o país. Estamos falando da época em que se registrou a maior crise econômica do México. Foi o momento da terrível desvalorização do peso e o começo do declínio mexicano dos últimos 20 anos.
A partir de todas estas investigações, podemos dizer que muitas das decisões tomadas por López Portillo provavelmente foram influenciadas tanto por sua esposa quanto por sua irmã, que acreditavam com fervor na magia negra e naqueles seres “extraterrestres”. Imagine o que isto significa para um país. E creio que esta é a contribuição final destes dois livros: que se conheça esta parte esotérica, do ocultismo, que realmente tem uma importância na vida dos políticos mexicanos. Era algo que sabíamos, mas não havia sido comprovado. Tudo isto não significa que os bruxos estejam nos governando. Isto seria um desastre. O mais grave é que esse tipo de personagem esotérico tenha influência sobre os políticos, que são quem toma as decisões. Já se fala também de supostas profecias segundo as quais o próximo presidente do México será o priista Enrique Peña Nieto. Ele integra um grupo político muito poderoso – o Atlacomulco – e seria muito grave se alguém como ele, com grandes chances de chegar a governar, também se envolvesse nessa atmosfera de esoterismo. Veremos o que acontece.
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