Cecilia Giménez, a espanhola de 81 anos que conquistou as redes sociais com sua restauração frustrada de um afresco de Jesus Cristo, sofreu um ataque nervoso nesta quinta-feira (23/08) após a intensa repercussão de sua obra. De acordo com vizinhos e familiares, a idosa está emocionalmente abalada com a possibilidade de ter de responder judicialmente aos danos provocados no mural do artista espanhol Elías García Martínez.
Mas, afinal, quem é Elías García Martínez? Instigado pela pressão que se formou em torno da agora abalada Cecília, o Opera Mundi consultou especialistas do mundo da arte para verificar o real valor artístico de seu Ecce Homo e verificar se o trabalho de “restauração” foi tão catastrófico como a imprensa espanhola alega.
Veja mais Ecce Homos que Cecília poderia ter restaurado:
NULL
NULL
A resposta de Denis Molino, curador assistente do MASP (Museu de Arte de São Paulo), para essa questão é de que Martínez “não é famoso e não passa de um artista local”. Para ele, trata-se apenas de “um artesão religioso de importância regional”, cujo afresco “não passa de um caso de arte devocional”.
“Se Cecília não tivesse feito isso, a obra continuaria anônima, até porque aquele é um cristo como qualquer outro entre milhões estampados em calendários”, conclui Molino, ao argumentar que o que Cecília fez “não foi vandalismo”.
Divulgação/Facebook
Questionado sobre o viés que diversos veículos jornalísticos adotaram para abordar o caso, Molino acredita que “exageraram sobre Cecília”. Ele conta que na própria Espanha “artistas iconoclastas chegaram a intervir recentemente sobre uma gravura original de Francisco Goya”. Nesse sentido, tamanho volume de críticas sobre os danos causados a uma obra de pouco valor artístico apenas explicitam a “a importância lucrativa ou nacionalista” que passa a envolver o patrimônio histórico a partir do século XVIII.
Crise
A seu ver, o trabalho de Cecília está longe de ser um pecado. Na realidade, Molino acredita que o fato de a restauração deste afresco acabar nas mãos de uma idosa amadora está relacionado indiretamente com a crise orçamentária que afeta a Espanha. “Essa obra vivia em um interior degradado e cheio de infiltrações. Embora ingênuo, este foi um gesto contra o descaso. O que importa, no caso, não são as competências técnicas da artista, mas sim sua devoção”.
Ana Magalhães, professora de teoria e crítica do MAC (Museu de Arte Contemporânea da USP), não concorda com esse posicionamento e argumenta que uma boa restauração não é direito exclusivo de obras célebres e universais. “O fato de [Elías García Martínez] ser um artesão menor não dá o direito de sua obra não ser bem preservada”, isso porque este Ecce Homo “pode ser muito bem um projeto de decoração específico para aquela igreja” e “nenhum tipo de intervenção é legítima sem se considerar o valor regional e comunitário que essa obra possui”.
“Uma obra de arte só é qualificada como tal quando é legitimada por uma tradição crítica, portanto, não existe obra nem autor se não houver a presença de um ambiente artístico”, explica. Para ilustrar seu raciocínio, Ana menciona o caso do brasileiro José Antonio da Silva, pintor autodidata do início do século XX que retratou de forma tecnicamente primitiva o desbravamento do interior paulista. Embora não seja um nome universal, “ele está legitimado porque está dentro de um ambiente artístico”. O mesmo se aplicaria a Elías García Martínez.
No momento, os danos ao afresco da Igreja da Misericórdia de Borja estão sendo avaliados por especialistas. Familiares de Martínez temem que o trabalho de Cecília seja irreversível. O argumento da idosa é de que o padre da igreja estava ciente de sua restauração e de que nada foi feito em segredo.